Três camadas de rímel

Cabelos longos, devidamente escovados, olhos brilhantes, três camadas de rímel. Grandes bochechas, que escondem os olhos ao lançar de um sorriso. Gestos meigos, contrastando com o cigarro nas mãos. Desfila pernas grossas, valorizadas pela saia jeans com a barra desfiada, curta e desaforada. Colo valorizado pelas blusas decotadas e pés calçados pelas sandálias rasteiras. Não chega a 1m e 65cm de altura, tem as mãos pesadas e um tapa forte e marcante.
Fala forte e por vezes mansa, decisão e liderança na voz. Nervosismo acusado com gaguejos e mãos nos cabelos castanhos e longos. É filha de Iansã, dança bem o candomblé. Bebe, fala palavrão, ri e fuma. Estuda com a dedicação típica de uma boêmia. Onde encontrá-la? Praça de 25 de Julho, Cachoeira- BA, resistindo sempre aos preconceitos, julgamentos e confusões.
Não possui pouso certo, amor de verdade ainda não encontrou. Parece passarinho que não quer aprisionar-se. É amiga, filha e mulher. Irmã, mãe e mulher. É gente, é mulher. É feliz, é fiel e esconde nos olhos brilhantes, com três camadas de rímel, a fragilidade de quem ainda não sabe o que quer.
Dedica-se aos amigos e aos avós com perfeição, é surreal, é a risada e a mal criação. Bebe, bebe e faz besteira. Dança, brinca e também chora. É a menina dos olhos brilhantes, a mulher das três camadas de rímel, que sempre diz: quero apenas ser feliz. Com o seu jeito desastrado, o olhar frágil e a vaidade latente, vai levando, rindo e cantando. E como canta. Bares, ônibus, transporte escolar, ruas, salas de aula e festas.
Se nascesse na época da Inquisição da Igreja Católica, seria queimada em praça pública e hoje lembrada como uma mulher a frente do seu tempo. Essa menina, essa mulher, como encanta e como canta. A morena de belos cabelos, olhar marcante e autonomia no andar se veste e se despe aos olhares alheios.

Por Roberta Costa