segunda-feira, 28 de abril de 2008

"E agora, José?"

Por Elton Vitor Coutinho

Era por volta das cinco horas da tarde. O sol já procurava o poente para que a noite caísse sobre a cidade da Cachoeira. Aqui, numa humilde casa rosa, encontrava-se José Carlos Pereira dos Santos, de 40 anos de idade, a se lamentar.
A porta estava entreaberta. Empurrei mais um pouco para visualizar melhor quem estava no interior daquela casa. – José Carlos? Perguntei em tom vocativo. Sentado sobre dois colchões em mau aspecto, que servia também como sofá, o próprio me atendeu com uma voz arrastada que mais parecia a de um pião cansado da obra. A sua pele negra e enrugada e o seu olhar assustado compunham uma única face.
Mesmo me vendo pela primeira vez, nem perguntou o meu nome. Pediu que eu adentrasse. Entrei e me identifiquei. Falei o motivo da minha visita. Os seus olhos castanhos, agora, já me olhavam como os de um adolescente que vê no futuro uma esperança. Puxei a cadeira e, com um bloquinho de notas, fui relatando a história de José Carlos Pereira dos Santos, que você, amigo leitor, passará a conhecer a partir de agora.
Nascido em Governador Valadares – Minas Gerais -, José Carlos é pintor e jardineiro. Entretanto, reside, há vinte e dois anos, na cidade da Cachoeira, interior do recôncavo baiano.
Voltando mais uma vez para a sua casinha no Caquende, após trabalhar como voluntário no Colégio Estadual da Cachoeira, ele se juntou às suas companhias domésticas. Apenas um televisor em preto e branco de dez polegadas, uma estante de ferro lilás, uma mesa e três cadeiras, um espelho quebrado, algumas camisas penduradas no prego, panelas amassadas e só. O pai falecido, não tem nenhum parente em Cachoeira. Todos permaneceram em Minas Gerais enquanto ele veio à Bahia tentar melhores condições de vida. Porém, de melhor, nada encontrou.
Aos 18 anos de idade tirou os seus documentos em Belém da Cachoeira, localidade próxima à cidade. Aos 36 perdeu o RG, CPF, Carteira de Reservista e a Certidão de Nascimento. Até hoje não entende onde e como isso aconteceu.
Ao chegar ao cartório para tirar a certidão de nascimento e assim fazer os outros documentos perdidos, José Carlos Pereira se deparou com uma situação que jamais imaginaria passar. No lugar da certidão de nascimento recebeu um atestado de óbito.
Os casos de homônimos no Brasil estão cada vez menos raros. A partir de 2006, segundo relato do Jornal Hoje do dia 09 de novembro de 2006, os registros de nascimentos com o mesmo nome e sobrenome se intensificaram. O caso de José Carlos Pereira dos Santos é apenas mais um. É também mais um dos descasos que o cidadão brasileiro passa por ser, talvez, de família de baixa renda.
Desde 2004 que José é tido como falecido. A sua reação foi de desespero. A primeira pergunta, até então sem resposta, que apareceu em sua mente foi, “como isso pôde acontecer?”. A única saída era ir ao Fórum de Cachoeira e procurar um advogado. “Como um semi-analfabeto, sem nenhum parente para orientar, poderá arrumar um advogado?”. Essa foi a sua segunda indagação.
Como não tinha condições de pagar um advogado particular foi-lhe indicado a defensoria pública da cidade. “Entreguei a certidão para o secretário do promotor e até hoje ele não me devolveu”, informa Pereira. Já têm dois anos que o caso está na justiça e até hoje nenhuma resposta. “Vou lá no fórum direto. As vezes o promotor nem me atende e quando atende diz que está tentando me ressuscitar”, ainda conclui.
Sustentado pelos “irmãos” da Igreja Batista onde congrega, Pereira vai levando a vida sem emprego, sem família, “sem lenço e sem documento”. Mais uma tarde no fórum, e nada. Outra conversa com o promotor, e nada. Seis meses que tirou as digitais para a perícia, e nada. “E agora, José?”.
Quase dois anos já se passaram. O homônimo trabalha sem remuneração. Sente cansaço constante, mas não pode ir ao médico. Ambos requerem os documentos necessários, dignos de todo cidadão. “Eu preciso que a justiça tome uma providência, que olhe os meus direitos, os direitos do ser humano”, afirma Pereira.
As ruas da cidade não mais lhe distraem. “Tenho medo de sair na rua. Já pensou a polícia me pegar sem documento, me perguntar o que eu faço e eu responder: nada. Vai dizer que sou um marginal”, desabafa.
Essa é a vida que José Carlos Pereira dos Santos leva há um bom tempo. Muito parece com o “José” de Drummond. A única diferença entre os dois é que Drummond disse: “Mas você não morre, você é duro, José” e o José que acabei de apresentar, morreu mesmo estando vivo.

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