terça-feira, 29 de abril de 2008

O contador de charadas

Ana Clara Barros


O que me chamou a atenção foi a alegria que ele tem, mesmo com todas as dificuldades da vida. A diversão dele é fazer suas charadas para todos, a nossa é ouví-las. Ele é um senhor de 74 anos, que trabalha com a enxada e a foice, plantando e colhendo. Mandioca, milho, feijão, de tudo um pouco. Não vende, só planta para comer. É aposentado e comercializa outras coisas, como diz o anúncio das placas penduradas nas grades pretas em frente a sua casa: carvão e geladinho a R$ 0,20 centavos. É um senhor simples e todos da sua rua o conhecem. Foi assim que fiquei sabendo onde Josuel Batista Santana, esse é o seu nome de batismo, residia. Fui perguntando e quando cheguei próximo ao Posto de Saúde de Capoeiruçu, um vizinho me disse o local exato: - Ele mora naquela casa que tem uma árvore redonda em frente.
A frente da casa é cimentada, com uma grande inclinação. A árvore é um pé de murta, como me diz depois a esposa de Seu Josuel, Vardelice Noberta da Conceição, com seus 63 anos. As paredes da casa têm cor verde-cana e são texturizadas, trabalho feito pelo filho deles. Antes da casa há uma estreita varanda, recoberta com azulejos marrons, onde fica a mesa redonda de plástico, coberta por uma toalha branca de renda e um jarro com flores artificiais azuis. Nas cadeiras brancas de plástico nos sentamos, Seu Josuel e eu. Vardelice ficou em pé, ao lado do marido. Era visível a timidez de ambos. Pareciam descrentes. Expliquei a eles minha missão ali.
Logo Seu Josuel me fala a primeira charada do dia: - O que você compra pra comer e não come?
Depois de um tempo pensando, não vem nenhuma resposta na cabeça. Ele simplesmente responde: - Pratos!
Sorrio e ele demonstra estar mais a vontade. A mulher se diz impressionada, que todos os dias ele chega com charadas novas. Fico admirada com a criatividade de um homem que só fez o ensino básico porque disse não se adaptar ao Mobral.
Seu Josuel tem seis filhos, agora são cinco, um já morreu, como ele próprio diz. A conta dos netos ele já perdeu, mas Vardelice responde firme: são 13.
Peço a ele para dizer mais charadas, ele não hesita e pergunta: - Um rapaz nasceu em São Paulo, cresceu no Rio de Janeiro e morreu na Bahia. O que ele é?
Penso e penso. Digo que não sei. Ele responde: - Finado.
Sem dar uma pausa ele faz outra: - O que é que já nasce pra ser torto, se encobre todo de morto para buscar quem está vivo?
Ele logo responde: - Anzol.
Pergunto para Seu Josuel o que ele acha do caso da menina Isabella. Seu Josuel diz que é uma barbaridade, mas quem fica indignada é a sua mulher, Vardelice, afirmando veemente que foram os pais que mataram a menina e que é um absurdo. Ela diz não acompanhar diariamente o relato das notícias, o único programa que ela não perde, como ela própria diz é a novela de Juvenal Antena. E ainda ressalta que mesmo estando cansada, às vezes cochila, mas tenta assistir.
Seu Josuel faz outra pergunta: - O que é que a gente leva, mas não vê, se tivesse visto não levaria?
Topada. Ele responde.
Vardelice diz que o marido vira um papagaio quando toma duas doses de pinga. Seu Josuel sorri. Um sorriso que mais parece de criança, o que contradiz a sua aparência. A careca no centro da cabeça, e o rareamento do cabelo nas laterais denunciam sua idade. Mas é um senhor conservado, com poucas rugas, privilégio de ser negro. Os dentes são pouco amarelados e intactos, denunciando uma dentadura. O nariz é pouco achatado, as bochechas são salientes e os lábios finos. Só quando me aproximo, percebo que ele tem os olhos azuis, contrastando com o tom da pele. É franzino, julgo eu que pelo trabalho pesado. As mãos são grandes, grossas, cheias de calos. Usava roupas normais de ficar em casa, mas se alguém o vê na rua, com certeza ele estará trajando sua calça de tecido e sua camisa fina três quartos.
Sem cansar ele faz mais charadas: - Quando você está com quinze anos, vai passar para onde?
E responde: - Para dezesseis.
Mais outra: - Por que você acha que o Brasil faz frio?
Não mais espera e responde: - Porque ele foi descoberto.
Seu Josuel tem uma graça especial. Com sua simpatia conquista e faz amizades com todos. É um prazer vê-lo fazendo essas charadas de sua própria criação. É um bom exemplo.

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