sábado, 29 de março de 2008

Texto no Observatório sobre a entrevista de Talese na Folha

Por Alberto Dines em 25/3/2008
"Gay Talese está resfriado." O lead da "Entrevista da 2ª", na Folha de S.Paulo (24/3, pág. A-14), é digno de uma das melhores peças do jornalismo literário, do qual Talese foi um dos expoentes [ver aqui].
O resto é desastroso. O repórter-entrevistador fez o que pôde, o repórter-entrevistado estava com um resfriado cerebral, neurônios congestionados, prostração moral.
Graças a isso, armou uma das doutrinas mais esdrúxulas, mais simplistas, mais amorais e mais cínicas produzidas por uma celebridade lítero-jornalística: nos EUA, os piores presidentes não tiveram amantes.
De olho na cama, o grande Talese articulou um resumo da história contemporânea dos EUA: Richard Nixon e George W. Bush foram funestos porque tiveram que contentar-se com as respectivas. Os demais, inclusive o facínora Lyndon Johnson, saiu-se muito bem porque colocou Lady Bird na gaiola e saiu ciscando por aí.
E como fica Ronald Reagan, o garanhão dos filmes de faroeste – valem as namoradas do celulóide? E Bush Senior, pai do primata que ocupa a Casa Branca?
Local de trabalho
Se a matéria da Folha fosse traduzida para o inglês, Talese nunca mais conseguiria um frila. Aqui, suas sandices encheram uma página inteira e mereceram chamada na capa do primeiro caderno.
Em algum momento, o veterano jornalista deve ter percebido a bobajada que despejava pela boca e se confundia com o muco que botava pelo nariz. Esboçou, então, algumas elucubrações que resultaram tão idiotas quanto o Coeficiente Talese para Aferir Competência Presidencial:
** "Se você está no negócio de publicar jornais, tem que publicar o que é considerado notícia" (o lema do New York Times é precisamente este – "All the news that fit to print").
** "Hoje em dia tudo é notícia, o que não acontecia 30 anos atrás" (evidente: há 30 anos, quando Gay Talese ficava resfriado, metia-se na cama, tomava um suadouro e lia uma novela de Horace MacCoy).
** "A mentalidade da mídia está toda voltada para os escândalos sexuais. A mídia conduz a história" (Karl Marx acaba de ser desbancado).
** "Sexo não é complicado. Política é complicado" [sic]. Talese acaba produzir um paradigma capaz de agitar a campanha eleitoral americana.
Se Hillary, Obama ou McCain desejam entrar para a história como benfeitores da pátria, devem colocar uma cama no Salão Oval e mandar brasa.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Convite

Oi pessoas.

Convido a todos a participar na Mostra de Cinema Possíveis Sexualidades. Vou coordenar uma mesa redonda sobre O cinema e a obra de Caio Fernando Abreu: possíveis interseções, no dia 5/4, às 16h, no Instituto Cervantes, em Salvador. Vejam a programação completa em http://possiveissexualidades.wordpress.com/

Leandro

quinta-feira, 27 de março de 2008

Amélia, não confunda jamais esse lugar

Cachoeira, 27 de março de 2008

Eram dez horas da manhã quando eu cheguei. As portas, em madeira, pintadas de azul, encontrando-se em duas partes, com um risco linear central, na vertical, ainda estavam cerradas. O amarelo da fachada, já cinzento pelo tempo, compõe toda a parte externa. Ao olhar ligeiramente para cima vemos mais duas portas em madeira, com dois compartimentos cada, configuradas em seis blocos de vidros retangulares, formando uma pequena varanda protegida por uma estreita grade de ferro. Porém, talvez, o que te chame mais a atenção, mesmo quando despercebida, é uma bandeira quadriculada em cores distintas como, azul, branca, laranja, amarela e verde, em mosaico e, em seu centro preto com letras vermelhas, o nome do estabelecimento.
Dez horas e oito minutos, a senhora que recepciona os visitantes começou a abrir as portas. O chão, com vários blocos quadrados e retangulares, em cerâmica, integra um jogo transversal que tanto lembra o piso da cidade da Cachoeira, isto é, em formato paralelepípedo. O caderno de assinaturas, logo à direita de quem entra, em cima de uma peça de Jacarandá e uma carranca em madeira com detalhes de ferrro, sobre uma alta caixa preta, ao centro, permanece a vigiar quem entra e quem sai, a todos que ali vão vislumbrar.
Ligeiramente, à esquerda, visualiza-se um baú preto antigo com fechaduras enferrujadas. Serve de base para dois manequins sem braços, sem pernas e sem cabeça, que vestem uma camisa diferente, em cores diferentes.
Dois quadros laterais, assim como banners, do poeta e fotógrafo Damário Dacruz, enfeitam o ambiente.
Dando mais quatro passos encontrar-se-á várias pinturas assinadas por Dina Garcia, Pirulito e Suzart que decoram o espaço juntamente com móveis antigos, além da figura, em gesso, de São Cosme e Damião.
Invadindo mais um pouco, verás, ao centro, duas mesas de costura que agora servem para mostras de calendários e livros, ambos à venda. No corredor, objetos de barros, quadros, camisas, miniaturas de orixás, licor, candeeiro e colares.
No penúltimo compartimento aparece um bar à direita em estilo europeu com bebidas estrangeiras e, também, regionais como a Abaíra, por exemplo.
Mesas, cadeiras, cds, uma radiola antiga, bonecas negras de pano, um guarda-roupa com camisas, mandalas, quadros em miniaturas de Dina Garcia, outros objetos de barro, livros, calendários em molduras, várias fotografias de Dacruz, cartões postais de Salvador e objetos antigos como relógios de paredes, preenchem todo o resto do ambiente.
A área ao fundo que finaliza o espaço, apresenta um pequeno jardim com flores do campo, vários candeeiros na parede em pedra que, quando acesos, iluminam o verde da grama. Além disso, as mesas e as cadeiras que ali estão, deixam o clima mais aconchegante.
Amélia, aí está a descrição do “Pouso da Palavra - espaço de arte, cultura e comunicação” que você tanto me pediu. Assim como o endereço completo do lugar no verso do envelope. Espero que você leia logo esta carta e venha visitar o Pouso assim que puder, para encontrá-lo do jeito que descrevi, pois, como diz Damário Dacruz, o idealizador e dono do espaço, “Quanto mais sonho com Cachoeira, mais amanheço em Nova York”.
Beijos do amigo,
Elton Vitor Coutinho

Entre aromas, toques e sabores


Numa das ruas de Cachoeira, tento andar pela estreita calçada, até que meu caminhar é interrompido por aquele verde claro e os objetos que vejo através da porta de vidro. Os ursos da vitrine são todos rosinhas e parecem macios. Lá dentro fiquei desnorteada com a quantidade de objetos que têm nas prateleiras. São agendas, porta-treco, pingente para celular, essências aromatizantes, bonecas, caixinha de música, CDS de meditação, ampulhetas, porta-retratos de pedrinhas, da Betty Boop. Velas de várias cores, formas e cheiros: têm amarela, vermelha, laranja, azul, verde, com aroma de chocolate, morango, canela, em forma até de melancia e melão.
Os sapos, joaninhas, cachorros e os gatos de pelúcia colaboram para dar ao lugar uma sensação de aconchego. Em uma das prateleiras tem um gato de parafina com a curiosa frase “de acordo com os ensinamentos orientais, um gato em casa atrai vibrações positivas, melhora o astral de todos os moradores e simboliza proteção”. Para completar essa mística tem vasos com desenhos egípcios, elefantes indianos de gesso, mensageiros do vento, incensos de laranja, lavanda, canela, ervas.
O local tem um cheiro agradável e tranqüilizante, desperta todos os nossos sentidos. Observo atentamente os objetos ao som de Mariza Monte e do vai e vem da água que cai da fonte em forma de poço. As pessoas entram e lêem os cartões de amor, amizade, aniversário, pedem para provar os perfumes e hidratantes, mexem nos adesivos, chaveiros e almofadas.
No balcão de madeira tem um coelhinho de espuma com um cestinha cheia de balas de mel e os ovos de chocolate que sobraram da páscoa. De um lado as trufas de maracujá enchem os olhos, do outro, os sais e óleos de banho, os sabonetes e as flores naturais deixam a gente mais leve só de olhar.

Oh! Ladeira do Orobó!

É preciso respirar vontade e expirar força quando se chega aos pés da ladeira do Orobó. O vento que desce e bate no rosto dos que olham para cima e deslumbram o seu íngreme esforço, mais parece uma esbaforida quente dos céus do que qualquer outra coisa.
As casas coloridas, muito simples. Algumas com crianças chorando nas janelas, enquanto suas mães estendem roupas no varal. Outras ressoam o cheiro e o som do feijão na panela e da música no rádio. As casas parecem agarrar-se umas às outras se equilibrando, e se inclinando nos olhos acostumados com coisas planas.
As pedras do chão, grande, antigas e desgastadas são as únicas a escutar os gemidos dos joelhos alheios dos que sobem. Os que descem a ladeira com os braços jogados de um lado para o outro, carregam um sorriso de canto meio abusado, por ver o franzir de sobrancelhas dos que sobem de colunas dobradas.
A rua é estreita, espremida pelas calçadas cheias de mato e flores que enfeitam esse escorregador adornado de casas. Um bar no meio da rua, cor de laranja forte, do seu Joca, colocou uma mesa de sinuca. Não deu muito certo porque as bolas rolavam sem nenhuma tacada, no sentido do pé da ladeira.
O sol parece incidir mais nesse lugar, parece querer ver mais suor dos que desafiam. Então as roupas secam mais rápidas, sentar na porta de casa, nas altas calçadas, nem pensar. É tudo diferente pra quem desbravou um morro e criou moradia. Qualquer um deseja asas ao chegar ao inicio da subida, mas seriam como asas de Ícaro, derretidas pelo escaldante sol, de qualquer hora.

Casa do Xérox

Uma das atitudes rotineiras dos estudantes e professores do CAHL - UFRB e do Colégio Estadual da Cachoeira é ir na xérox. O lugar onde se tira xérox é uma casinha singela, sem nenhuma sofisticação. Na entrada do local tem três degraus, o primeiro mais largo que os outros. Logo em frente há um balcão de vidro com laterais de grade de ferro pintado de verde e uma base de madeira azul. Na vitrine expõem-se canetas (azul, preta, vermelha), cola de isopô e papel, marcador de texto, CD, fita adesiva, cadernos pequenos, bloco de anotações, lápis de cor, tubo de linha de costura, clipe e etc. Do lado esquerdo da vitrine tem várias caixas de papel oficio para impedir a passagem das pessoas para dentro daquele espaço onde ficam dois armários de aço cinza, dispostos em lado oposto e uma mesa vermelha de plástico totalmente desorganizada encostada no armário do lado direito, com papeis desordenados, grampeadores, réguas, clipes etc. Lá tem duas máquinas de xerox, uma de um lado a outra do outro. O ambiente até que é fresco, tem um ventilador no alto da parede da entrada da casa, bastante silencioso. Mas a quantidade de mosquito voando pelo local não é pouca e isso incomoda muito. Na parede do fundo, que fica bem de frente para quem chega tem uma televisão de 21 polegadas e um DVD pendurados na parede, desligados refletindo apenas a o movimento da rua lá fora e do colégio que fica em frente. Ao lado das máquinas fica um garoto de espinhas na testa e uma moça de mais ou menos 25 anos de cabelo curto que sempre repete a frase para quem chega pedindo grande números de cópias – Vai demorar! Isso não é novidade é uma rotina do local. Alguns espera outros desce os degraus, passa pela porta azul e vai embora.

Na rua em frente

Ana Clara Barros


O sol está quente. Sentada no bar de Gel, reparo a rua longa abarrotada de pessoas – os estudantes do Colégio Estadual da Cachoeira – que transitam. Uns vão, outros vêm. O clima é de descontração, muitos estão alegres em já poderem ir de volta para casa, outros apenas chegam ao colégio, sem saber a maratona que os esperam.

Os ruídos se misturam: as pessoas conversam alto quase que gritando, o rádio do bar não pára de tocar músicas de todos os tipos e o locutor manda um abraço para Gel e ainda faz uma propaganda dos seus lanches, pura coincidência.

Vejo os pássaros, as árvores, o riacho – que hoje é mais um esgoto – e até borboletas pelo local. O verde que brota logo que a chuva chega me impressiona, muda completamente a paisagem.

Em frente ao bar, se localiza a sede provisória da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Aí, já viu a confusão e quantidade de estudantes todos os dias no bar da rainha dos lanches.

O movimento de carros é grande, e a rua estreita gera uma desordem no trânsito e uma pequena discórdia entre motoristas e estudantes.

Uma pessoa, ao lado do bar, me chama a atenção: ele corta azulejos com uma máquina e seu boné o protege da poeira.

È essa a vida desse lugar, repleto de vida, movimento e alegria.

Matérias do Reverso Editadas

Motoristas e cobradores nem sempre se entendem

O relacionamento entre os motoristas das vans e os cobradores é atribulado e, algumas vezes, desleal. Segundo Juninho, a relação empregatícia dos cobradores não é regida pela associação e sim pelos motoristas dos carros. O motorista paga o serviço por semana e o almoço do cobrador, o que dá em média um salário mínimo por mês.
Para retratar essa relação delicada, um grupo de cobradores falou abertamente sobre o papel deles nas vans e as relações entre eles, os motoristas e os passageiros. O cobrador Jessé Magalhães, 22 anos, disse que tem que se virar em qualquer situação. “Os motoristas não querem saber de nada, sobra sempre para o cobrador”. Ele disse que o motorista para o qual ele trabalha, uma vez pegou um bêbado na estrada e quem teve que aturar as “brincadeiras” e a relutância em pagar foi ele. Depois ainda teve que escutar do motorista que ele estava demorando a receber do passageiro. “Como é que eu podia receber se o homem mal conseguia lembrar onde estava o dinheiro?”, comenta Jessé.
O cobrador mais antigo do grupo, Perivaldo de Jesus, 28 anos, afirma que “eles (motoristas) não dão nada, só pagam e depois de um ano mandam embora, sem nada”. Perivaldo já trabalhou para mais de três motoristas diferentes. Nesse momento, outros dois cobradores, que também participavam da conversa, concordaram sem hesitar. Para Fábio Marques, 23 anos, conhecido como “o bonito”, a única coisa que vale nesse emprego é que sempre vêem muita gente diferente.
Sobre a lotação, eles contam que, “dependendo do carro, botam até trinta pessoas”. Perguntados sobre o limite máximo, disseram que isso não existe. Enquanto der para alguém apertar, continua entrando passageiro. Os cobradores desmentiram a possível punição para os motoristas que superlotam as vans. Os motoristas não se importam com o excesso de passageiros, porque eles não têm que se apertar e nem viajar quase para fora do carro, como disse o cobrador Erandi Bastos, 24 anos.
Nessa relação de interdependência existe quase que uma luta de classes entre motoristas e cobradores e, no final, quem sobra mesmo é o passageiro, apertado e sem saber de quem é a culpa, só xingando mentalmente e, às vezes verbalmente, as mães de cobradores e motoristas.
PASSAGEIROS CONSTANTES - Alguns dos passageiros mais constantes das vans são os estudantes. Precisando ir e vir todos os dias pelas cidades do Recôncavo para fazerem os seus cursos, eles acabam vivenciando toda essa integração que ocorre pelo transporte alternativo. João Pedro Prado, 20 anos, conta que a van que ele usa de Feira de Santana para Cachoeira, todos os dias, não chega a ser uma linha comum, e sim um transporte que passa de casa em casa para pegar as pessoas certas. Ao comentar sobre os casos dentro da van, João Pedro lembrou de um passageiro que não é muito comum, mas é “lendário, um cara totalmente sem noção”, segundo ele. Quando o motorista avisa que vai pegar Jorge, muita gente protesta. “Teve um dia que ele, do nada, falou alto que ‘ainda bem que eu parei de usar droga’, nada que agrade as outras pessoas saberem”.
Para Nirane Lopes, 26 anos, o melhor da van é a rapidez e a facilidade. Ela fala que o que mais olha na hora de pegar a van para Conceição da Feira é o estado de conservação do carro e não o “aperto”. Marlene Lima, 19 anos, que mora em Santo Amaro, disse que uma vez, na van, um homem começou a passar a mão nela. Ela só pôde mudar de lugar depois que um outro passageiro desceu. Quando o cobrador perguntou porque ela havia mudado, ela contou. Os outros passageiros quiseram bater no homem e o motorista teve que deixá-lo no meio da estrada, perto de um ponto onde ele poderia pegar outra van.
Carla Suzard, 32 anos, relata as várias histórias que escuta durante a viagem e também conversa sobre diversos assuntos, já que sempre encontra alguém conhecido no transporte. “Certa vez me aborreci com o motorista porque ele não estava com os documentos em dia. Por isso, tivemos que ir por outro caminho mais longo para não encontrar os policiais. Atrasou a viagem e reclamei, mas não levei o caso à associação”, desabafa.
Um pouco diferente da experiência de Carla, que afirma sempre encontrar conhecidos nas vans, Marisa Gomes, 23 anos, contou como uma vez conheceu uma senhora dentro da van e essa lhe contou toda sua vida, desde o casamento, a gravidez até os problemas atuais com o ex-marido. Tudo isso no trajeto de Feira de Santana até Cachoeira.
O serviço das vans facilita a vida de muita gente e nelas se passam histórias e relatos do cotidiano dos passageiros. Durante a viagem, as pessoas falam da família, de política, de festas, dos problemas diários. O transporte coletivo no Recôncavo representa vínculos culturais e troca de experiências entre pessoas e cidades.

Matérias do Reverso Editadas

Transporte

Conexão Recôncavo

Vans integram as cidades da região e são muito mais do que um meio de transporte

Gabriel Amaral Pires, Jadson Dias, Lorena Andrade, Maísa Almeida

Os moradores das cidades do Recôncavo dificilmente viveriam sem o chamado transporte alternativo. Mais do que um meio de locomoção, as vans interligam os municípios, suas culturas e nelas é possível ouvir as mais diversas histórias. Alguns motoristas e cobradores, que às vezes entram em conflito, se consideram analistas dos passageiros. Os clientes, no entanto, nem sempre são respeitados. Na vida dentro das vans, amigos se encontram, segredos são revelados e até casos de assédio sexual já foram relatados.
Os passageiros preferem usar o transporte alternativo pela rapidez em relação aos ônibus. Enquanto as vans saem a cada quinze minutos, tendo pontos de parada específicos em cada cidade somente para embarque e desembarque de passageiros, os ônibus têm horários de intervalo maior e, segundo os próprios passageiros, o desconforto maior é com as paradas nas rodoviárias das cidades até chegar ao destino final da viagem.
A técnica em contabilidade Carla Suzard, 32 anos, viaja pelo menos cinco vezes ao mês para Feira de Santana e sempre usa o transporte alternativo. Ela prefere as vans pela agilidade, mas ressalta que o ônibus é mais confortável. “Sempre que procurei os serviços deste transporte não houve superlotação, porque os passageiros reclamam se isto ocorrer”.
Em Cachoeira, existem quatro associações. A ASCONF (Associação dos Condutores de Conceição da Feira), que faz a ligação entre Cachoeira e Conceição da Feira, COOTAM (Cooperativa de Transporte Municipal), responsável pelas cidades até Cruz das Almas, como Muritiba e Governador Mangabeira e a ASCAMUCA (Associação dos Condutores Alternativos do Município da Cachoeira), que transporta até Feira de Santana. Uma última, não registrada, conduz passageiros até Salvador. O transporte alternativo no Recôncavo marca o encontro de culturas que se encontram e compartilham diversas histórias.
O presidente da ASCAMUCA, Ubirajara Filho, conhecido como Juninho, falou das condições de trabalho dos condutores no dia-a-dia. Segundo ele, a situação de trabalho hoje é muito mais difícil. “Há dez anos você tinha condições de dar quatro viagens para Feira de Santana, hoje dá uma”. Muitos motoristas trabalham até 12 horas por dia. Em algumas épocas, como no São João, é possível tirar até R$ 1.500. No entanto, a média semanal normal é de R$ 400.
O transporte alternativo no Recôncavo, além de mais freqüente, ganhou ares de um novo espaço que vai além da mera locomoção. Uma espécie de divã ou lugar de encontrar amigos e conhecidos. Raramente não se ouve nestas vans conversas íntimas ou não se vê algo inusitado acontecer. Como presidente da associação e motorista, Juninho já presenciou várias dessas histórias. “Eu costumo dizer que nós motoristas não estamos sentados em um banco, mas em um divã, eu tiro por mim que às vezes viro psicólogo”.
Segundo Juninho, existem algumas histórias curiosas de pessoas que, num pequeno trajeto entre Feira de Santana e Cachoeira, contam as histórias de sua vida. “Teve uma menina que entrou no carro e começou a chorar. Eu perguntei se podia ajudar. Ela disse que não, mas logo depois desabafou que o seu pai não queria que o namorado dela, que mora em São Félix, fosse passar o fim de semana com ela em Cruz das Almas. Tentei consolá-la dizendo que os pais sempre pensam que os filhos ainda são crianças”, lembra ele.
Além dessa, histórias como a de uma passageira que saía quase todos os dias no mesmo horário de Cachoeira para ter um caso com um taxista em Feira de Santana e de um grupo de italianos que fretou o carro do Juninho para irem até Morro de São Paulo. “Um deles me perguntou se podia fumar maconha. Eu falei para eles ficarem à vontade. Eu comecei a tossir e já tava doido de tanta fumaça daqueles gringos. Eu tive que abaixar o vidro e parar o carro para tomar água”, conta ele, rindo.

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Carlistas se apropriaram da identidade baiana, diz pesquisador

Ted Sampaio

Um especialista em cultura. Assim é conhecido o professor doutor Antonio Albino Canelas Rubim, que palestrou para alunos e professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Cachoeira, no último dia 14 de março. Ao falar sobre o tema Cultura, comunicação e contemporaneidade, Rubim chamou a atenção para conceitos importantes da área e destacou o de baianidade. O professor titular da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia explicou que o grupo político ligado ao ex-senador Antônio Carlos Magalhães (ACM) se apropriou de uma idéia de baianidade. Segundo ele, o fator mais importante para essa massificação de um estilo que representasse o povo baiano foi a vinculação dessas imagens, sons e palavras através da Rede Bahia, pertencente ao grupo Magalhães.
Rubim ressalta que este conceito de baianidade, hoje conhecido por todos, não representa, de fato, toda a Bahia, mas apenas a região da grande Salvador e do Recôncavo. Áreas como o sertão, a região sul e o vale do São Francisco não são contempladas nesse conceito. “A gente não vê ser representado o cacau de Itabuna e de Ilhéus, a carranca de Juazeiro, ou o homem sertanejo, mas apenas a baiana do acarajé, o capoeira e o carnaval”, disse.
Rubim explica que toda identidade é construída e fabricada. “Não existe uma identidade que seja espontânea”, afirma. O professor da UFRB, Paulo Miguez, ponderou sobre como uma identidade pode ser construída. “O capoeira é uma marca da Bahia, a baiana do acarajé representa o Estado, dessa forma não podemos falar que essa identidade foi criada, ela já existia”. No entanto, ele concorda que as demais regiões não foram representadas neste conceito. Para Miguez, ACM utilizou essa cultura de origem afro com o propósito de se tornar popular e querido pelo povo. “Ele adotou essa cultura para si e para a Bahia”, concluiu.
Rubim ainda falou sobre a mercantilização da cultura, provocada por transformações da sociedade capitalista. Ao tratar desse processo, apontou como a indústria cultural agrega simbolismos aos produtos culturais. “O que define o valor de uma determinada mercadoria hoje não é o que ela significa em si, mas a marca agregada a ela”, afirma Rubim. E completa com exemplos: “Quando compramos um carro, o valor do carro não é definido pela parte mecânica, mas sim pelo design, marca etc”.
Esse processo de mercantilização dos bens culturais, para Rubim, também é decorrência da influência da mídia no processo de formação da sociedade brasileira. "Estamos vivendo a sociedade da comunicação, a sociedade da informação", disse.
A palestra de Rubim foi promovida pelo Núcleo de Estudos em Sociedade, Poder e Cultura (Nespoc), presidido pelos professores Fábio Joly e Luiz Nova.

Boteco nosso de cada dia

Sarah Peixoto

Meu amor, você me dá sorte... Meu amor, você me dá sorte... Meu amor você me dá sorte na vida...
Ao som da bela música de Caê espero surgir à inspiração para começar a escrever. Enquanto isso uma revolução acontece em meus neurônios, com o nervosismo que agora me acomete sinto ainda mais calor.
O Bar de Gel é o lugar escolhido. Sento. A mesa como de costume está coberta com uma napa azul, a cerveja chega, não está tão gelada. Bebo e sinto o calor diminuir. O barulho ao lado do bar, de uma casa que está em reforma se mistura ao som ligado na rádio local. Ao fundo as paredes rosa do bar são cobertas por prateleiras repletas de frascos cheios de bombons e de bebidas. Na prateleira mais alta há diversas imagens católicas, um arranjo com flores artificiais vermelha e branca, e uma carranca de madeira clara.
Sinto o cheiro da densa fumaça do cigarro que o colega ao meu lado acaba de acender. Bolos, esfirras, pães, doces estão dispersos em cima do balcão no qual Gel uma mulher boa-praça e bem tranqüila dona do bar, começa a lavar os copos que estão sujos. Olho no relógio, são exatamente 10:25horas. Pacotes de salgadinho completam a decoração do bar, juntamente com uma televisão que no momento encontra-se desligada. Percebo o canto afinado de um passarinho, e vejo que acima da minha cabeça existe uma gaiola, na qual têm um papa-capim animal de estimação da proprietária do bar. O animal está alheio ao que acontece em baixo da sua casa.Uma leve brisa passa, e balança um cacto que está suspenso em meio a bandeirolas coloridas.Me assusto com o barulho de um carro velho que está na rua, e acaba de dar a partida, liberando um odor insuportável de óleo queimado. Tenho que voltar para aula.

Matérias do Reverso Editadas

Cachoeira ganha novo espaço de livros e arte

Primeiro sebo da cidade servirá de ponto cultural

Andréia Costa

O Café com Arte Sebo Ana Néri foi inaugurado no dia 15 de março com a proposta de ser um novo ponto de cultura e arte na cidade. O local não é exclusivo para compra e venda de livros, mas também de CDs, camisetas, esculturas, exposições de artistas, principalmente cachoeiranos, e mini-shows.
Na inauguração, o idealizador do sebo, Michel Bogdanowicz, contou com a presença de artistas cachoeiranos, professores, estudantes e membros da comunidade, numa confraternização regada à poesia, jazz e valsa. “Com amor pela arquitetura, pelo povo e pela vida noturna de Cachoeira resolvi abrir este sebo, que envolverá discussões sobre arte, literatura e música”, diz Bogdanowicz.
A novidade foi apreciada pelos estudantes do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL). “Era o que estava faltando em Cachoeira, não só para os moradores antigos da comunidade, mas para suprir os universitários. Espero que este espaço seja muito freqüentado e que façam bom uso, porque é um espaço que precisamos”, diz Maiane Matos, estudante de jornalismo.
Um dos convidados, o escritor e professor da UFRB, Carlos Ribeiro, demonstrou ter várias expectativas com o novo empreendimento. “É um espaço também de encontro, o que é muito interessante. Porque a cultura literária brasileira sempre girou em torno de livrarias, gerações de autores da maior importância se encontravam nesse ambiente. E aqui é um espaço de muito bom gosto, muito agradável”, disse Ribeiro.
O professor deseja também que o local seja utilizado por toda a população da cidade e não apenas pela comunidade acadêmica. “Sabemos que o nível de formação das pessoas não é tão favorável a este aspecto, mas é necessário começar a incentivar as pessoas à leitura, que está associado a um trabalho básico de alfabetização, de formação de leitores. O fato de existir um sebo é um sinal de que alguma coisa pode mudar”, espera Ribeiro. “O espaço tem a provocação de um ambiente europeu, principalmente parisiense, com sofá, abajur, café e charutos, por exemplo. Essa minha idéia, juntamente com a da minha esposa Lia e com a do meu amigo Damário Dacruz, de fazer esse encontro de café expresso com conversas duradoras, não poderia cair melhor em uma cidade com uma cultura tão viva e rica como Cachoeira”, acredita Bogdanowicz.

Matérias do Reverso Editadas

“Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher...”

Passeio pelas ruas de Cachoeira e São Félix revela um pouco da história de quatro mulheres

Gislene Mesquita e Tamires Peixoto

Em uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, a reportagem do Reverso resolveu sair às ruas de Cachoeira e São Félix, aleatoriamente, para contar um pouco da história e rotina de algumas das 17 mil mulheres que vivem nas duas cidades. Sorema Correia Ribeiro, nascida em Salvador, 28 anos, é uma delas. Ela é prostituta. “O que eu faço é ilegal, eu sei disso, mas não tenho opção. Emprego está difícil e eu preciso comprar minhas coisas”, diz ela, desconhecendo que a sua profissão já foi regulamentada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e classificada no Código Brasileiro de Ocupações sob o número 5198-05. Crime é induzir, facilitar ou explorar a prostituição, segundo artigos 227 a 232 do Código Penal.
Em Cachoeira há dois anos, Sorema, antes disso, já “fazia vida” em Salvador. A relação com a família ela diz ser boa, apesar deles não conversarem abertamente sobre sua profissão. “Tive uma boa infância, vejo sempre meus pais e meus irmãos, eles sabem o que eu faço, mas eu nego. É complicado falar disso com eles porque ninguém gosta de saber que alguém de sua família é prostituta”.
Sorema mora com o namorado. “Ele não gosta de saber que vou para a cama com outros homens, mas sabe que eu não tenho opção, sou mulher, gosto de comprar cremes, fazer minha unha, e não vou roubar. Essa foi a única opção que encontrei”. Questionada sobre o futuro, Sorema diz que tinha vontade de ser enfermeira, mas vê isso como um sonho quase impossível. “Estudei até o 2° grau, mas sou muito acomodada, não tenho condições de voltar a estudar”.
MULHER CHARUTEIRA - Jacira Almeida Bispo, 41 anos, trabalha na Fábrica de Charutos Dannemann, em São Félix. Nascida em Cruz das Almas, onde ainda mora, ela vem e volta todos os dias. Jacira trabalha na fábrica há oito anos. Ela diz que adora o seu emprego, apesar de considerar o seu salário baixo (recebe um salário mínimo mais um acréscimo de 30 reais). “Ganho pouco, não dá para muita coisa, mas eu gosto muito daqui”, afirma Jacira.
Ela é casada, tem dois filhos e se considera feliz. Jacira diz que não pensa em morar em São Félix, pois passou sua vida toda em Cruz das Almas. “Meu marido trabalha num armazém em Cruz, meus filhos nasceram lá, além de ter meus parentes e amigos”, diz ela.
O que destaca Jacira das outras trabalhadoras do Dannemann é o fato dela fumar charuto enquanto exerce sua função. Ela conta que começou a fumar logo depois que entrou na fábrica. “Achava o cheiro agradável e tinha curiosidade. Fumei uma vez, gostei e fumo até hoje”. Quando questionada a respeito de largar o emprego por outro em Cruz com um salário maior, ela responde: “Não sei, acho muito difícil. Teria que pensar bastante porque gosto muito daqui”, responde ela.
MULHER PROTESTANTE – Natural de Muritiba, Denise Figueiredo se considera cachoeirana, pois mora na cidade desde pequena. Há cinco anos se converteu para a Igreja Pentecostal e afirma que missionária de Deus é sua profissão. Ela tem 33 anos, seu esposo é pastor e sua filha adolescente segue os preceitos religiosos dos pais. Denise acredita que seu objetivo na Terra seja servir a Deus, porém, a trajetória religiosa dessa mulher já foi diferente.
Batizada na Igreja Católica, a missionária freqüentou missas e a catequese na infância. Quando adquiriu um grau de independência, ela quis conhecer o Espiritismo, especificamente o kardecista. No entanto, esse fato não anulou Denise de continuar se auto-intitulando católica mas, como ela mesma afirma, “católica não praticante”.
Durante a juventude, ela também conheceu a umbanda. “Eu não abandonei as outras religiões, o que houve, na verdade, foi que Jesus me encontrou”. Segundo ela, os protestantes já sofreram muito preconceito na cidade, mas hoje essa situação foi amenizada. Sobre a questão de Cachoeira ser conhecida pelo Candomblé, Denise não acredita que a religião de matriz africana seja dominante na cidade. “Claro que há muitos terreiros em Cachoeira, mas têm muitas igrejas protestantes também. Cada vez estamos nos firmando e aumentando o número de fiéis”.
MULHER MARAVILHA – Às cinco da manhã, Elieci Soledad, 40 anos, técnica de radiologia, acorda e começa a sua rotina. O dia-a-dia dela inclui academia, levar a filha na escola em Muritiba e, das oito ao meio dia, trabalhar na Santa Casa de Misericórdia de São Félix. Durante a conversa, Elieci foi interrompida diversas vezes, distribuindo sua atenção entre a entrevista e os pacientes. O contraste entre o ambiente tenso e estressante e a calma e tranqüilidade que ela transmite era evidente.
No decorrer do dia, ela ainda encontra tempo para vender produtos da Natura de casa em casa, praticar vôlei como hobby e, finalmente, trabalhar no Centro Espírita Consolador dos que Sofrem, que ela preside.
Sejam prostitutas, charuteiras, religiosas ou profissionais da área de saúde, feras ou anjos, como diz a letra da música de Cássia Eller, todas são mulheres, mas poderiam ser chamadas também de batalhadoras.

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Sincretismo ainda gera polêmica

Um tema recorrente nas discussões sobre religião e a cultura afrodescendente é o sincretismo religioso, a fusão de diferentes crenças, que está presente em todo o Brasil. Para muitos estudiosos, o sincretismo surgiu como forma dos escravos africanos trazidos para o Brasil cultuarem seus deuses sem serem percebidos pelos seus senhores. Assim era feita a associação dos deuses dos negros com os santos da Igreja Católica.
Na cidade da Cachoeira, um símbolo vivo do sincretismo religioso é a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, congregação católica de mulheres negras e mestiças. “As irmãs da Boa Morte prestam culto à Maria Santíssima, mas cada uma delas venera um orixá particular em suas casas. Assim como elas veneram a morte, vida e assunção de Maria”, diz Luís Magno, funcionário do IPAC (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural) e conhecedor do Candomblé.
O sincretismo gera polêmica. Para algumas pessoas, foi uma forma de preservar a religião do negro, mesmo que de forma maquiada, fazendo com que os afrodescendentes tenham conhecimento de suas origens religiosas. Mas, atualmente, ele poderia estar cumprindo um papel contrário. “Talvez, se não fosse o sincretismo religioso, tudo isso já teria acabado realmente. Entretanto, em pleno século XXI, o sincretismo já não é mais tolerável. Temos que lutar pela descolonização da cabeça das pessoas, Ogum é Ogum e não Santo Antônio”, ressalta Antônio Moraes, secretário de Cultura e Turismo da cidade da Cachoeira.
A visão do sincretismo como forma de preservação da religião afro não é unânime. Segundo Marcelino Gomes, diretor da Fundação Casa Paulo Dias Adorno, essa prática é uma forma de preconceito, uma maneira de baixar a estima do africano. “Criaram a idéia de que o africano inventou o sincretismo, mas isso foi uma imposição da Igreja Católica sorrateiramente, que conhece o Candomblé mais do que a gente”, completa. Ainda, segundo ele, “várias irmãs da Boa Morte negam que são do Candomblé, enquanto todas fazem parte”.
A posição da Igreja Católica e de seus fiéis sobre a religião afro é vista como preconceituosa, contudo, na maioria das vezes, as mesmas pessoas que criticam, visitam os terreiros da cidade. “Quando os católicos precisam do Candomblé vão por debaixo do pano, às escondidas. Depois juram que nunca vão e chamam o Candomblé de ‘aquela coisa’. Mas quem tem culpa disso é o próprio pessoal da religião afrodescendente. A culpa do preconceito começa na gente. Você tem um filho e não quer que ele participe da religião, você é religioso e repete o que a igreja inventou há séculos, que Exu é o diabo. Você diz que Senhor do Bonfim é Oxalá, tudo isso é preconceito”, expressa, Marcelino.
A divergência de opinião sobre o sincretismo mostra o quanto o tema é polêmico. As raízes religiosas e culturais são colocadas em questão. Para Marcelino, o preconceito diminui ou fica menos camuflado quando você se impõe sem pisar em ninguém, mostrando suas raízes, preservando sua cultura, papel que ele diz desenvolver na cidade.

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Religião
Sem as bênçãos de Oxum
Outrora ilegais, casamentos oficiais em terreiros de Candomblé ainda são raros no Brasil
Jamile Teixeira, Joseane Vitena, Marlene Lima e Nirane Lopes

A cultura negra foi massacrada durante séculos. Ultimamente, ela vem sendo exaltada, ainda que muitas vezes a imagem do negro seja representada de forma estereotipada. Apesar dos avanços, a discriminação, os preconceitos e as desigualdades ainda persistem. Uma delas, pouco lembrada, tem relação com as cerimônias de casamento. Por muito tempo, o matrimônio realizado no Candomblé era algo ilegal. Recentemente, o Tribunal de Justiça da Bahia reconheceu a legalização dessa união nos terreiros. O problema é que, no Brasil, até agora, apenas dois estados reconhecem oficialmente essas cerimônias: a Bahia e o Rio Grande do Sul. Em Cachoeira e São Félix, segundo a Justiça, os terreiros ainda não solicitaram o direito de legalizar os casamentos realizados por pais e mães de santo.
Igo Vinícius Oliveira, estudante de Direito e que também trabalha no Ministério Público de Cachoeira, lembra que o Estado brasileiro, oficialmente, é laico, ou seja, não está ligado a nenhuma religião ou culto. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso VI, ainda diz que “é inviolável a liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
O casamento é a principal relação para a formação da família. A Carta Magna consagrou ao casamento religioso o efeito civil sem determinar qual religião, nem mesmo o celebrante. E é justamente neste aspecto que foi gerada uma grande polêmica. Segundo Igo, para a lei, o celebrante é a autoridade religiosa. No entanto, questionamentos preconceituosos colocaram em dúvida se o pai ou mãe de santo seriam autoridades religiosas. Idelson Sales, babalorixá (pai de santo) do terreiro Ilê Axé Ogumjá há 21 anos, diz que o babalorixá sem dúvida é uma autoridade religiosa. Ele diz que, antes do reconhecimento legal, os filhos ou filhas de santo que desejassem casar, tinham apenas a alternativa de recorrer ao casamento no civil. “No meu terreiro existem três casais que adiaram este sonho, mas que agora está próximo de se realizar”, diz Idelson.
BUROCRACIA - Questionado sobre pedidos de legalização do casamento em terreiros de Cachoeira e São Félix, Igo responde que, até hoje, não houve esta procura. “Muita gente desconhece. Talvez esta fosse uma iniciativa a ser tomada pela Federação dos Cultos Afros, de informar os pais de santo, as mães de santo e, consequentemente, os filhos de santo, ou mesmo admiradores que desejam o casamento em terreiros, da possibilidade de realização desses casamentos, até mesmo capacitá-los em relação às medidas formais perante a Justiça, para tal realização”. Portanto, mesmo depois de ser concedido o direito às religiões de matriz africana a realizar casamentos, ainda se ouve falar que os terreiros não realizam casamentos porque não estão preparados.
Mas, afinal, que preparação é essa? Igo explica a necessidade de o terreiro ser registrado como pessoa jurídica pela justiça federal, declarando-se como uma sociedade religiosa, ou seja, é necessário que tenha um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). “Para isso, ele deve ter estatuto, uma ata de constituição, que informe quem é o líder religioso. Nesta ata deve estar registrado quem é o chefe da casa, suas atribuições, seus poderes, a competência de realizar casamentos, além de contar a história, uma espécie de memorial do terreiro. A ata precisa ser enviada ao cartório. E, então, depois que a pessoa casa no terreiro, é lavrado um termo próprio, tira-se uma certidão daquele registro no livro e as pessoas levam ao cartório. O oficial de justiça conclui o processo e verifica se as formalidades legais foram realizadas. A partir daí, o oficial lavra o termo do casamento no efeito civil e disponibiliza a certidão de casamento aos noivos”, diz ele. Todas as religiões passam por esses requisitos. No entanto, nem todas são tão marcadas pela oralidade e avessas à burocracia como o Candomblé, algo que a lei, nem de longe, contempla.
OXUM - Na cerimônia, o pai de santo ou a mãe de santo não necessitam estar incorporados pela deusa do amor, Oxum. Idelson explica: “têm filhos ou filhas de santo que pedem que Oxum, ou até mesmo outros orixás estejam presentes para abençoar, aí a gente chama, mas nem sempre é o babalorixá ou ialorixá que está incorporado, pode ser um filho de santo, o que normalmente acontece. O babalorixá realiza o casamento, dá as bênçãos, joga sua água”.

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CEAT implanta cursos profissionalizantes

Luciane Bispo Brito

A grande novidade do ano letivo de 2008 em educação é a implantação de cursos profissionalizantes de nível médio no Colégio Estadual Alberto Torres (CEAT), em Cruz das Almas, onde serão oferecidas 240 vagas para os cursos de Informática e Técnico em Agropecuária. Os cursos terão duração de aproximadamente quatro anos, nos turnos vespertino e noturno, preferencialmente para alunos egressos do Ensino Fundamental e também para aqueles que resolveram voltar ao CEAT para fazer um novo curso. As aulas iniciaram no dia 10 de março, mas ainda existem vagas no curso de Técnico em Agropecuária.
A professora Carlinda Barros de Lacerda, diretora da Diretoria Regional de Educação (Direc 32) explica que o objetivo da implantação dos cursos é preparar os jovens de Cruz das Almas e região para o mercado de trabalho, dando-lhes uma oportunidade de resgatar a cidadania. Ela espera que os jovens aproveitem ao máximo a oportunidade e concluam os cursos realmente capacitados. Carlinda ressalta que a preocupação da Direc é oferecer uma educação profissionalizante de qualidade.
O CEAT está sendo preparado para receber as novas turmas e já são previstas algumas mudanças em sua estrutura física e possíveis contratações para o quadro técnico, já que a grade curricular ainda está em formação. A professora ressalva que a ação faz parte da proposta pedagógica Uma escola de todos nós e que o mérito deve-se a todos os professores, a direção da escola, a comunidade em geral e ao apoio da Prefeitura Municipal de Cruz das Almas.

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Educação

Cachoeiranos também foram vítimas da Inquisição

Historiador tratou sobre o assunto na aula magna promovida pelo CAHL

Maiane Matos

Vinte e seis pessoas foram vítimas da Inquisição em Cachoeira. A revelação é do professor, antropólogo e historiador Luiz Mott, que ministrou a aula magna de abertura do semestre do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), realizada no Centro Cultural Dannemann, em São Félix. O fundador do Grupo Gay da Bahia tratou sobre a “Inquisição em Cachoeira”, ressaltou a importância do tema para a cidade e mostrou satisfação em estar sendo o primeiro a expor o assunto.
Mott explicou que a Inquisição foi fundada na Idade Média e usava um brasão intitulado “Misericórdia e Justiça”. Duas mil pessoas, no Brasil, foram presas pela Santa Inquisição e vinte foram acusadas e queimadas. Na Bahia, 235 foram vítimas dela. Para o professor, a chamada “Santa Inquisição”, dirigida pela Igreja Católica, acusava as pessoas e só depois de muita investigação decidia o destino do acusado. “A maior parte dos registros históricos do Brasil, em especial na época da Inquisição, encontra-se na Torre do Tombo em Portugal”, relatou Mott.
A aula magna fez parte do Reencôncavo, uma série de atividades promovidas pela diretoria do CAHL especialmente para os calouros. Além da palestra de Mott, o Reencôncavo contou com outras palestras, exposições e muita música dos grupos Percussão Ngoma, Gegê Nagô e Lírica. No primeiro dia, os novos alunos foram recepcionados pelo diretor do CAHL, Xavier Vatin, o vice André Itaparica, os coordenadores dos cursos e pelo reitor Paulo Gabriel Nacif e o seu vice Sílvio Soglia.

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Educação

“Eu tenho orgulho de ser calouro”

Novos estudantes falam das suas preocupações ao ingressarem na UFRB

Elton Vitor Coutinho

Vestibular, universidade e mercado de trabalho são palavras que, para muitos, soam ainda como algo distante. Mas, para os novos estudantes da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), essa é uma realidade já bem próxima e discutida com intensidade. Os calouros do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), que ingressaram no dia 10 de março de 2008, foram recebidos com o Reencôncavo (leia texto na página 5). Agora se preocupam com o trote, na escolha que fizeram, em como enfrentar as dificuldades para concluir o curso e ingressar na profissão.
Vindos de cidades como Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista e Porto Seguro, os calouros resolveram sair de seu local de origem para estudar em Cachoeira. O que leva uma pessoa a tomar essa decisão? Eles têm o apoio dos pais? “Crescer profissionalmente e culturalmente”, é o que diz Evelyn Lorena Moura, de 18 anos, caloura de Comunicação, que veio do sul da Bahia mesmo contra a vontade dos pais.
Os calouros revelam que vestibular deixa os jovens confusos em qual carreira seguir. A escolha do curso é muito mais do que apenas marcar um “x” na hora da inscrição. Além disso, a prova do vestibular é algo que mexe com os aspectos físicos e psicológicos das pessoas. Para Layane Cruz, de 20 anos, caloura de Comunicação, por exemplo, o vestibular não é um método de seleção ideal. “Ainda é uma forma de segregação”, diz ela.
“Fiz três vestibulares para cursos diferentes. Perdi em um e passei em dois. O primeiro para Odontologia na Uefs (Universidade Estadual de Feira de Santana), o segundo para Letras e agora para Comunicação na UFRB”, diz Layane Cruz. A troca de curso e de universidade é causada pela busca incessante dos jovens que, por serem ainda muito novos, escolherem precocemente qual área seguir.
ESTRUTURA – A primeira impressão dos calouros, ao entrarem na faculdade, foi o choque com a estrutura do CAHL. “Acho a estrutura péssima, pois não tem as condições que eu pensava que uma universidade federal tivesse. Merecíamos boas condições para atender às nossas expectativas”, diz Alana Fabiane Santos, 16 anos, caloura de Comunicação. O que deixa os novos estudantes mais aliviados é o corpo docente. Segundo eles, em um primeiro contato, os professores se mostraram bem capacitados e compromissados com os cursos. “Quanto aos docentes, são os melhores que já vi”, afirma Daniel Souza, 20 anos, calouro de História.
RECEPÇÃO – O trote é uma tradição no Brasil e não agrada a todos. “Eu acho algo infantil, pois acredito que, ao chegar na universidade, o nível intelectual deveria ser mais elevado. A responsabilidade deveria ser outra e deixar essas brincadeiras para o segundo grau”, relata Daniel Souza.
Um calouro do CAHL, que não revelou o nome, se manifestou contra o trote com uma carta, cujo título é “Veteranos retrógrados”. Ele faz uma crítica aos veteranos que participam dessa prática, pois acredita que o trote apenas colabora com a violência. Já outros calouros vêem o trote como algo positivo. “Eu concordo com o trote, pois, se for moderado, é uma sensação boa. Sinto que realmente cheguei à universidade e é por isso que eu tenho orgulho de ser calouro”, diz Gustavo Moreira, 19 anos, calouro de Comunicação. “Eu também gosto do trote, pois acho que serve para integrar os veteranos com os calouros. Mas defendo apenas os trotes solidários, que tenham um fundamento, que não sejam agressivos”, acrescenta Evelyn Moura.
PERSPECTIVAS – Ao desembarcar na cidade da Cachoeira muitos tiveram dificuldade em encontrar moradia. Por isso, quem mora em Cruz das Almas e Feira de Santana, por exemplo, preferiu alugar uma condução para fazer o trajeto diariamente. Os calouros que moram mais distante estão preocupados sobre onde vão morar. Eles dizem que o do aluguel é caro e as casas disponíveis não têm uma boa estrutura. “Se já temos esse problema com a moradia, isso me amedronta um pouco em relação a tudo que envolve o curso, a universidade”, diz Moreira.
“Apesar de tudo, espero não me arrepender da escolha e de me apaixonar ainda mais pelo curso e pela profissão”, ainda afirma. Esse não é o depoimento apenas de Gustavo Moreira. A perspectiva de muitos é que a universidade traga alegria e sabedoria, que o prédio definitivo fique pronto o mais rápido possível e a cada dia aprendam com os professores e com os próprios alunos. “Minha maior perspectiva é ver um progresso tanto dos docentes quanto dos discentes em termos de conhecimento”, relata Daniel Souza.
A preocupação com o mercado de trabalho é, talvez, uma das principais para aqueles que pretendem ingressar numa instituição de ensino superior. Algumas pessoas desistem do curso dos seus sonhos com medo de não conseguir emprego. Outros insistem em fazer o que gostam. “Eu acho que o mercado para jornalista é bom para bons profissionais e não para todos. Por isso é que precisamos nos especializar e superar cada vez mais”, afirma Araújo. “Falou em mercado de trabalho, eu penso em progresso. Eu ainda considero o mercado de trabalho para educadores em história promissor. Quanto à parte financeira, é conseqüência”, acrescenta Daniel Souza.

O som da vida

Folhas das árvores na praça balançam no ritmo do – Crew! Crewwwwww! Crewwwwwwwwwwwww! Canto de um jovem rapaz magro, sem camisa, de estatura média. Ele usa um boné bege e está de pé em frente a outros dois homens. Um parece nervoso, segura o joelho com as mãos e movimenta-se pra lá e para cá, parece não gostar da música que ouve. O outro, olha fixamente para o chão, até que algo vai de encontro ao seu pé esquerdo calçado com uma sandália preta, estilo Havainas – Toma!! E esmaga sem piedade, o que quer que estivesse presente ali. É impressionante. Eles estão no mesmo lugar, um em frente ao outro, na praça do ponto de ônibus e não conversam nem percebem os acontecimentos ao seu lado. Um lugar próximo à pista, onde vários carros passam de um lado para o outro. Estão sentados sobre um banco de cimento cinza que circula todo o lugar. No centro desse banco estão as grandes árvores e sob elas os passarinhos que cantam mais alto que o “Crew” do rapaz. Porém, uma dessas aves, está sob pena, e ninguém pode saber até quando. Ela choca-se entre as grades ferrugem da gaiola que lhe priva do livre-arbítrio. E por que cantar naquela prisão?Uma prisão no centro da liberdade e em cima do banquinho. Ela não canta. Mas o rapaz e os passarinhos livres cantam. A melodia dos seres mistura-se com o grave ruído dos automóveis que percorrem a pista. A atenção de repente é desviada. Um caminhão mais provido de ruídos do que qualquer outro emissor de som passa pela pista, em frente aos rapazes e aos passarinhos. O cheiro que ele emite não agrada nenhum dos presentes. É uma combinação de frutas estragadas com o lixo das cestinhas de banheiro insuportável. O tempo parece estagnar nesse exato momento. Não se ouve mais o cantar dos seres vivos, somente o tumulto provocado pela máquina. Alias as máquinas, ultimamente, parecem comunicarem-se mais com os homens do que os homens com os próprios homens.


Ilani Silva

SONS, IMAGENS, CHEIROS...SINESTESIA

Por Jamile Castro

Dez da manhã, o chão estava sujo de sangue, um sangue ralo e ao mesmo tempo escuro, parecia já seco, ou secando. Um rádio tocando Final Feliz de Jorge Vercilo fazia parte daquela cena. O homem de camisa amarela e bermuda jeans esgarçada amolava uma faca. Daí vinha o sangue, daí. O balcão também tinha sangue. No andar superior várias mesas, a de ferro era pintada na cor branca e era acompanhada de quatro cadeiras com marca da cerveja Schincariol. Devem ser antigas, pois a tempo mudou o nome da cerveja. Sobre a mesa uma capa de cor laranja, com dizeres “obrigado pela preferência” e “volte sempre”. Ainda um desenho com duas mãos dadas em símbolo de amizade. Em uma das mesinhas brancas uma manicura “faz” as unhas de uma moça que veste lilás. Talvez a moça trabalhe por aqui.
O lugar está bastante agitado, um entra e sai de pessoas, cachorros e coisas. O barulho é intenso, vozes, música, latidos de cachorro e ainda o barulho das facas que eram amoladas de vez em quando. O calor faz com que algumas pessoas se abanem. Outras conversam, outras trabalham.
Dez e quinze, o lugar está bastante sujo, mas tem um cheiro muito bom, hummmmmmmmmm, muito bom! Mas o cheirinho vinha lá de cima, onde ficavam as mesinhas. Bares, muitos bares. Bares e restaurantes. PF + coca-cola = R$4,90, dizia a plaqueta afixada em um deles. E aquele cheirinho de feijão, hummmmmmmmmm!
Uma senhora aparentando uns 65 anos, de sandalinhas pretas, roupas de feira e cabelos brancos enrolados em forma de coque se aproxima do homem de camisa amarela que abana sua mercadoria para livrá-las das moscas. Ele novamente amola a faca e corta a carne no Mercado Municipal.

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Patrimônio

Cachoeira quer reconhecimento mundial

Ao completar 171 anos, cidade quer se candidatar ao título concedido pela Unesco

Maiane Matos e Joseane Vitena

Cachoeira comemorou os seus 171 anos, no último dia 13 de março, com um novo desafio: candidatar a Heróica cidade ao título de Patrimônio Mundial da Humanidade, concedido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação). A classificação visa catalogar e preservar locais de excepcional importância cultural ou natural, como patrimônio comum da humanidade. O programa foi fundado pela Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural, adotado pela Conferência Geral da Unesco de 16 de novembro de 1972. Os locais selecionados são beneficiados por recursos destinados pelo World Heritage Fund. Isso ocorre após a verificação de critérios que determinam se o local está ou não na condição de ganhar o título.
Mas o que significa ser Patrimônio da Humanidade? Para a museóloga e professora do CAHL/UFRB (Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), Rita de Cássia Doria, Cachoeira, embora sem o título oficial, já se configura como um patrimônio mundial da humanidade, devido toda sua importância histórica, seu conjunto arquitetônico, por ter sido uma cidade portuária e, principalmente, pela forte influência cultural que ela exerceu e exerce nas cidades do Recôncavo e também na Capital, Salvador. “Ganhar esse título só contribuiria para efetivar a sua importância e melhorar a sua conservação, uma vez que Cachoeira seria preservada pelo seu conjunto e não mais por blocos”, ressalta a professora.
Ser um bem da humanidade, além de aumentar a sua importância, garante um cuidado maior não só da população cachoeirana, mas também pode significar rapidez no desenvolvimento turístico. Os benefícios de um título como esse, segundo o diretor do CAHL, professor Xavier Vatin, são muitos: aumenta o seu valor turístico, ganha um destaque fantástico no cenário mundial e ainda recebe mais recursos para a sua conservação. Porém, uma preocupação de Vatin é de que esse ganho não seja real. Ele cita o que aconteceu com o samba de roda do recôncavo, que ganhou o título de Patrimônio Imaterial da Humanidade. Depois disso, foi construída uma Casa de Samba em Santo Amaro, mas hoje ela está praticamente inativa.
RIQUEZA - Cachoeira, a Heróica, assim denominada pela Lei nº. 43, de 13 de março de 1837, em virtude dos seus feitos, foi a sede do governo provisório do Brasil durante a guerra da Independência em 1822 e, novamente, em 1837. A Comarca de Cachoeira foi criada em 1832, e, em 1837, a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, como era chamada, foi elevada à categoria de cidade, devido à sua importância no cenário econômico e político da época.
Considerada “Monumento Nacional” e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional em 1971, Cachoeira, depois de Salvador, é a cidade baiana que reúne o mais importante acervo arquitetônico no estilo barroco. Seu casario, suas igrejas, seus prédios históricos preservam a imagem do Brasil Império – tempo em que o comércio e a fertilidade do solo fizeram de Cachoeira a Vila mais rica, populosa, e uma das mais importantes do Brasil, durante os séculos XVII e XVIII. Hoje, a cidade enfrenta dificuldades diversas para se desenvolver.

Um lugar para passar o tempo

Um cenário natural dentro da cidade histórica da Cachoeira. Cinco canteiros recebem constantemente a visita de moradores, visitantes e mesmo quem não tem nada para fazer. Árvores altas, com folhas verdes, mas um verde tonalizando para o amarelo ouro. Algumas das folhas já estão no chão, outras ainda aguardam seu tempo para se decompor. Um canteiro isolado. Nele há somente uma árvore. Ela é a mais alta daquela praça. Isolada. A única também que possui entre suas pequenas folhas verde-cana flores. Flores com pequenas pétalas, quase nenhum miolo. São cor de rosa.
Há um canteiro em frente ao Banco. Nela a concentração de árvores é maior. Quatro árvores de mais ou menos três metros, uma em cada ponta do canteiro. Entre elas, plantas de médio porte. Uma é lilás. Ela chama atenção pelo tom forte, seu destaque é inevitável. Os raios solares fazem sua cor vibrar. Um coqueiro. Um coqueiro? Sua presença diferencia das atrações dos outros canteiros.
No terceiro canteiro, meia-dúzia de cocos e um isopor. Um isopor velho, cheio de adesivos. Sua proprietária também é uma velha. São seus materiais de trabalho.
Árvores pequenas, mas completas. Parecem miniaturas, uma maquete de árvores enormes. São pequenas, mas suas cores são vivas, seus troncos bem definidos. Folhas em tom verde claro. Plantinhas roxas e algo em comum para todos os demais canteiros. Uma generosa camada de grama tonalizando verde sumo, pequeninas flores amarelo radiante.
Neste ambiente ouve-se um som. Ele surge do serviço de alto falantes da cidade. Uma música calma que fala de Deus. O contato com natureza aproxima as pessoas de Deus. Sucesso da trilha sonora da novela global, Duas Caras. É a música da cantora gospel, Aline Barros. Uma reunião de diferenças está neste local. Um mesmo propósito: desfrutar o ambiente por alguns instantes por motivos particulares a cada um.

Chato!

10: 15, anuncia uma voz chata com um leve sotaque soteropolitano misturado com o jeito do povo do Recôncavo falar, era um desses auto-falantes que fica localizado na praça do relógio, era uma praça chata! Onde nada acontecia, ainda por cima tinha que suportar um cheiro insuportavel de rio, já que a praça fica de frente ao Rio Paraguaçu, e o pior! Aquela água começava a evaporar, por causa do sol forte, e o ar ia ficando úmido e aquilo ia dando uma agônia, porque o calor ia aumentando... E mesmo debaixo da sombra era possivel sentir aquele ar quente causado pela auta umidade tomando conta do corpo, era a sensação termica mais chata que sentir.
O Mesmo auto-falante que anunciava as horas começava a tocar uma música chata! Que começava a perguntar por uma tal de Paulinha, e aquilo gritava! E Gritava, toda vez a mesma frase, Paulinha... Paulinha... Pulinha... e essa repetição sonora ia me dando agônia também, era a música mais chata que já ouvir.
Folhas de árvores, copos plásticos, bancos quebrados, papel de todos os tipo espalhados pelo lugar, era a visão do inferno! a praça era até jeitosinha, mas muito maltratada, só não era pior que o parque que estava encravado bem no centro do lugar, de cara já era possivel ver a "pérola"! compre 10 "ingresso" sem o "s"e ganhe um 1 ovo de "pascoa" sem acento, de imediato lhe causa a vontade de olhar pro parque e imaginar, se aqueles brinquedos eram um monte de ferro velho, o brinde deveria ser uma verdadeira brincadeira, no carrossel tinha um cavalo sem as pernas que os trabalhadores tratavam de tentar corrigir o problema, isso sem falar nos ferros enferrujados e mal pintados, a lona meu Deus! imunda... não dá nem pra saber se é vermelha, marron, verde... enfim, era o parque de diversão mais chato que já vi.

Do caminho ao jardim.

Jadson Dias


As nuvens cobrem parte do céu, ainda nublado. A luz passa pelo vitral transparente, tornando claro o cenário. Abelhas mortas, secas, sem vida se debruçam pelo chão vermelho, riscado de preto pelo solado de alguma sandália, dividindo espaço com mariposas desbotadas, devoradas por formigas minúsculas, talvez uma dezena delas.
Do lado de fora, grama é bastante verde, algumas folhas mais largas, outras bem menos espessas. Flores azuis, de um azul claro e vivo, fazem contraste aos cactos, apenas três deles, o mais alto com cerca de 60 cm, os outros dois, com menos da metade da altura. Seus espinhos pontiagudos fazem contraste ao seu topo vermelho aveludado e macio.
Na parede cinza e áspera ao fundo, uma lagartixa sacode a sua cabeça, sua calda é mutilada. O mamoeiro de tronco fino, sem frutos, debruça suas folhas, aparentemente frágeis. Pardais pousam a todo instante, um pássaro de peito amarelo, com o dorso preto, com riscas brancas na cabeça, toma espaço entre as folhas do pé de mamão, que está colado a um tronco largo, retorcido. Um pote sem cor, rodeado de pedras em vários tons de cinza e marrom, contrasta com a paisagem calma. Num pequeno copo descartável branco cheio de água da chuva, se escondem insetos, sucumbidos, afogados. Marimbondos zumbindo, fazem vôo rasteiro. As cordas pretas e sujas, enroladas em pedaços de madeira desgastada, fazem à proteção da paisagem.

A arte de viver um boteco

Cerveja gelada, copo escorrendo. O cheiro do cigarro contrastava com o odor apodrecido de um carro que coletava o lixo da rua e passava ao nosso lado. Garotos gritando sobre o canto de um passarinho de penas pouco coloridas preso numa gaiola trançada por finos pedaços de madeira e ferro que concorria com o som da radio, carros e motos que passavam pela rua, além de um cortador de cerâmica na casa ao lado.
- Mais uma cerveeeeeja Gel!
Gritavam mais uma vez os garotos. Eram 10h01min da manhã, a rádio anunciava, e aqueles pivetes com farda da escola conversavam bobagens enquanto tomavam cerveja. Assim como eu.
Não sabia ao certo o que escrever, enchia meu copo e olhava para o teto repleto de bandeirolas coloridas que pareciam persistir desde a festa do São João passado. Ao fundo das bandeirolas, que balançavam com o vento quente, uma lona preta um pouco encardida. Pequenas plantas, se não estiver enganado um coqueirinho e um feto com folhas verdes e vibrantes, estavam penduradas e presas ao teto.
Paro por mais um instante enquanto encho meu copo. Percebo um córrego de água barrenta passando por baixo da minha cadeira de plástico branco. Não sabia exatamente de onde vinha ou onde ia parar. Talvez num bueiro qualquer espalhado pela rua.
Olhava para dentro do boteco e sentia fome ao ver uma variedade de lanches na vitrine. Nas prateleiras, pacotes de salgadinhos de R$0,10 pareciam implorar para serem comprados, pois tinham que concorrer com uma infinidade de balas e pirulitos a procura de crianças engraçadinhas.
“Tudo que preciso vem de Deus”, estava escrito num pedaço de gesso em forma de coração pendurado na parede. Poderia dizer que a dona do boteco, Gel, era religiosa? Não parecia fazer o tipo daquela mulher forte, decidida, comunicativa, com pochete na cintura e calça marrom que juntava o lixo deixado pelos garotos que bebiam cerveja. A minha cerveja, por sinal, já estava quente.
Tomo um gole grande e encho o copo novamente. O cheiro da bebida parece chamar a atenção de duas moscas que a pouco tinham relações sexuais no pote de flores artificiais. A cor alaranjada de suas pétalas contrastava com o azul marinho da toalha de mesa e dos azulejos brancos que vestiam o chão e metade da parede do boteco, a outra metade, alaranjada, combinava com as flores.
- Me dá um cigaaaaarro Gel! Gritei.
Sara, uma colega que me acompanhava na mesa, pediu outro.
- A cooonta Gel!
Tava na hora de voltar. Tinha que deixar a vida boêmia e badalada do boteco para voltar e digitar esta descrição que vos faço. Mais tarde voltarei, se voltarei.

Um lugar misterioso


Portas altas, largas pintadas de branco e o grande número de janelas apresentam o local, as grades que as decoram expressam um passado glorioso. O cheiro de éter exala....uma escada com vários degraus logo na entrada principal causa medo, um temor inexplicável e um homem nela sentado espera a saída de um parente. O piso acinzentado dá ao lugar um tom sombrio, um magnífico lustre com várias lâmpadas destaca-se e mostra que ali tudo é grandioso.
Entra e sai de pessoas, olhares distantes, esperançosos, desesperados e até aliviados circulam por lá, azulejos brancos revestem suas paredes grossos tentando dar ao local um clima mais leve, porém não menos incomodo. Uma placa com a informação: “Horário de visitas de 15 as 17 horas” mostra que aqueles que lá estão devem sentir muita falta de parentes e amigos, afinal existe uma hora determinada para vê-los. Sentimentos se misturam: angustia, medo, tristeza, dor e alegria.
Entre suas várias janelas uma pessoa de roupa azul observa a rua em frente e também uma criança recém nascida sai nos braços do pai. É a vida que se renova!
De repente um paciente aparece no hall de entrada é sua forma de entrar em contato com o mundo exterior. A igreja ao lado serve de consolo para os mais religiosos. Mais gente entra e mais gente sai e o vai e vem não pára. Santa Casa de Misericórdia da Cachoeira um lugar misterioso com esperança e desesperança.

Por: Nirane Lopes

A praça 25 de junho

Por Gislene Mesquita

Sem saber aonde ir, avista a Praça da Aclamação, mais conhecida como “A praça 25”, o ambiente fresco e tranqüilo a convencem a sentar-se no banco. Começa sua descrição, inicialmente bem superficial, seca e óbvia.
Uma praça como qualquer outra, com vários bancos de madeiras, vária árvores garantindo a sombra, em volta casas e bares, zoada de construção e de carros, mais a frente a bela paisagem das margens do rio Paraguaçu. No centro uma pequena estátua da liberdade. Cachoeira tem estátua da liberdade? Ela nunca tinha percebido...
Repara na música que está tocando, o locutor da rádio diz que é Aline Barros. Em um canto da praça há uma barraquinha de salgados, a vendedora conversa com dois senhores distraidamente.
Outras poucas pessoas se encontram sentadas nos bancos, alguns conversando entre si, outros no celular, outros sozinhos, apenas olhando a paisagem e divagando em seus pensamentos, outro olha com curiosidade a menina sentada no banco que olhava para tudo e todos detalhadamente e escrevia sem parar. Um dos senhores que conversava com a vendedora se aproxima da garota.
Ele puxa conversa, pergunta o nome dela, de onde é, descobrem que os dois vieram da mesma cidade. O senhor sempre muito simpático e atencioso, a menina visivelmente desinteressada. Ela olha no relógio, já são 10:50, se despede do senhor e volta para o CAHL.

A natureza e o silêncio

Por Maiane Matos

Ao som dos pássaros e do riacho que corria depressa, a rua ia ganhando vida. Casas coloridas, quase todas no mesmo estilo e padrão: baixa, uma porta, duas janelas, fechadas, silenciosas.
Em frente a elas, amendoeiras, varal de roupas e alguns tinham lençóis, calças, toalhas e blusas, postes de energia, jardins com pequeninas flores lilás e amarelas balançadas pelo brando vento que corria, lixeiras e lagartixas “brincando” completavam aquele ambiente solitário e vivo de natureza.
Borboletas de diversas formas e cores, folhas caindo das árvores, carros passando pela estrada acima, crianças gritando. Mas a rua... Silêncio!
Ao longe apenas ela. Pés descalço, barriga molhada, roupas na mão prontas para serem estendidas na corda de roupas feita de fio de eletricidade, ia dividindo a sua atenção entre os filhos na rua e eu. E o silêncio permanecia; por vezes nublado, por vezes brilhando.
No chão de pedras um encontro, uma recusa, um momento de selvageria e amor. O casal de lagartixas cometendo o ato mais brutal e prazeroso entre os seres vivos. Era a natureza daquela rua sendo protagonista da cena. Nostálgica, melancólica, nua, vazia? Talvez fosse o olhar daquela mulher sobre mim que me deixara essa sensação ou a rua ainda dormia.

Uma moderna lan house

Sentei no sofá e comecei a ouvir e observar.
A porta já chamava atenção. O vidro exprimia modernidade que contrastava com a cidade. Sua fachada obedecia as cores comuns da cidade, azul. A tonalidade escura harmonizava com os objetos dispostos na lan house. Lá comercializava, também, produtos de informática.
Ao entrar, uma porta de madeira grande e antiga. Já a segunda toda de vidro. A temperatura do local era ambiente apesar do ar condicionado. O lugar não refrigerava, pois o movimento de entrada e saída de pessoas era grande.
A lan house era ampla e bem ocupada de móveis e computadores. Um sofá confortável e preto, cabendo por volta de três pessoas, indicava que ali era um local de espera, certamente, não demorada.
Um balcão extenso e retangular separava os proprietários dos clientes. Um canto de conversas rápidas. Chegada, pedidos, pagamentos.
Os internautas logo se dirigiam o fundo da lan house. Ambiente, que pelo grande movimento, era o mais atrativo. Os computadores ordenados ao lado e em frente uns aos outros. Já as pessoas além de estarem ao lado, ficavam de costas para as outras. Existiam divisórias entre as máquinas. Estas eram estreitas, deixando claro que aquele espaço era para somente uma pessoa. Pouca iluminação e mais frescor oferecia ao cantinho o status de ambiente mais confortável e discreto.
Levantei e o que mais se ouvia eram barulhos intermináveis de teclados e diversos tons de vozes.
Tamires Peixoto

Pela muralha de vidro

Ploc...ploc...ploc... Suposto som ouvido do lado externo da muralha de vidro, onde pingos d’água que mergulhavam sobre seu batente, substituíam a contabilização do tempo impondo uma atmosfera tensa e misteriosa àquele lugar. Dali também figurava uma paisagem singela e ao mesmo tempo viva do ambiente externo, árvores majestosas de folhas variadas em tamanhos e características fisiográficas, verdes vivos verdes que imperavam em sua magnificência, balançavam ao ritmo suave e por oras rijo do vento, que parecia às vezes isentar-se de sua substância, paralisando a cena e imortalizando-a como quanto à uma imagem estática, ilustrativa, porém fria, igual sensação experimentada do lado interno do vidro, capaz de congelar pensamentos, emoções, sensibilidades....mãos e dedos, que resistiam e movimentavam-se freneticamente sobre teclas de um tabuleiro escuro como as idéias turbulentas, sombrias e descordenadas que cruzavam o pensamento.
O silêncio era por vezes substituído por barulhos de serras cortantes e ensurdecedoras, carros em movimentos, buzinas, conversas e gritos que por ora eram ouvidos, sufocados e filtrados pela redoma de vidro, cimento e madeira que formavam a sala, a qual o ar gélido imperava impondo a sua secura estéril. Jornais colados na muralha de viro esquerda bloqueavam uma das cenas externas que se tinha do recinto, ilustrando letras minúsculas e ilegíveis, figuras impressas e caricaturadas que traziam humor e reflexões diversas àquela tela abstrata e pós-modernista que avistava. Computadores por todos os lados, cadeiras dispersas, desfileiradas, chão vermelho “vivo morto”, paredes brancas e mal conservadas...pessoas conversavam, não estava só....mais o tempo passava rápido, os pingos d’água na janela não deixavam supostamente de ruir ploc...ploc...ploc.

EXPOCOM

FICHA DE INSCRIÇÃO PARA SELEÇÃO EXPOCOM 2008


Preencher conforme regulamento disponível em http://www.intercom.org.br/premios/expocom2008/regulamento.shtml



Título:

Categoria:

Modalidade:

Aluno líder, CPF e e-mail:

Nomes dos demais autores e CPFs:

Nome dos professores orientadores e CPFs:


Enviar os dados até acima e o trabalho para o mail colling@oi.com.br até dia 1 de abril. Observem que na modalidade processo é preciso escrever um paper também. Segundo o regulamento, todos os candidatos devem fazer a inscrição no congresso antes de submeter o trabalho.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Identidade baiana é criada por políticos, diz pesquisador

Um especialista em cultura. Assim é conhecido o professor doutor Antonio Albino Canelas Rubim que palestrou para alunos e professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em Cachoeira. Ao falar sobre o tema "cultura, comunicação e contemporaneidade" Rubim chama a atenção para pontos importantes que devem ser do conhecimento de todos.
Entre outras coisas, ele questiona, e voltou a fazer em Cachoeira, o atual conceito de baianidade, mais uma vez acompanhado de polêmicas. Segundo o professor, toda identidade é construída e fabricada. “Não existe uma identidade que seja espontânea”, afirma.
Rubim ressalta que este conceito de baianidade conhecido por todos não representa, de fato, toda a Bahia, mas apenas a região da grande Salvador e do Recôncavo. Áreas como o sertão, a região sul e o vale do São Francisco não são contempladas com este conceito. “Agente não vê ser representado o cacau de Itabuna e de Ilhéus, a carranca de Juazeiro, ou o homem sertanejo, mas apenas a baiana do acarajé, o capoeira e o carnaval”, declara.
Rubim explica que este conceito de baianidade foi criado por um grupo político ligado ao ex-senador Antônio Carlos Magalhães (ACM). Segundo ele, o fator mais importante para essa massificação de um estilo que representasse o povo baiano foi a vinculação dessas imagens, sons e palavras através da Rede Bahia, pertencente ao grupo Magalhães. Para o professor doutor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Paulo Miguez, uma identidade não pode ser construída. “O capoeira é uma marca da Bahia, a baiana do acarajé representa o Estado, dessa forma não podemos falar que essa identidade foi criada, ela já existia”. Mas concorda que as demais regiões não foram representadas neste conceito.
Para Miguez, ACM utilizou essa cultura de origem afro com o propósito de se tornar popular e querido pelo povo. "Ele adotou essa cultura para si e para a Bahia", conclui.

Rubim ainda falou sobre a mercantilização da cultura, provocada por transformações da sociedade capitalista. Ao denominar este processo de "economia criativa" Rubim aponta a indústria cultural como uma forma de agregar simbolismos aos produtos culturais. "O que define o valor de uma determinada mercadoria hoje não é o que ela significa em si, mas a marca agregada a ela", afirma Rubim. E completa citando exemplos: “Quando compramos um carro, o valor do carro não é definido pela parte mecânica, mas sim pelo design, marca etc.”.
Esse processo de mercantilização dos bens culturais, para Rubim, também é decorrência da influência da mídia no processo de formação da sociedade brasileira. "Estamos vivendo a sociedade da comunicação, a sociedade da informação", disse.

Dica

Ler: http://www.textovivo.com.br/edvtt19.htm

segunda-feira, 24 de março de 2008

Talese na Folha de hoje

ENTREVISTA da 2ª/GAY TALESE

Nos EUA, os piores presidentes não tiveram amantes

Autor de "A Mulher do Próximo" diz que americano não está mais moralista e que falar de sexo simplifica a política

DANIEL BERGAMASCO DE NOVA YORK

GAY TALESE está resfriado. Telefona para o repórter da Folha, atendendo ao pedido deixado na secretária eletrônica, e avisa, raspando a garganta: "Me resfriei e vou viajar, não posso receber você em casa. Mas posso falar agora sobre o Spitzer, tenho poucos minutos", diz o escritor de 76 anos, um dos pais do jornalismo literário, autor de reportagens antológicas reunidas nas coletâneas "Aos Olhos da Multidão" e "Fama e Anonimato" e de obras como "O Reino e o Poder", sobre o "The New York Times", onde atuou como repórter.

Talese diz que a sociedade americana não está mais ou menos moralista desde que ele publicou em 1980 "A Mulher do Próximo", livro-reportagem que retrata a transformação sexual e moral dos Estados Unidos entre as décadas de 1960 e 1970. Contudo, diz, a mídia repete tanto as informações sobre escândalos sexuais que faz que as pessoas se importem com eles, como no caso do ex-governador de Nova York Eliot Spitzer, que, casado, renunciou no último dia 12 após confirmar que era cliente fiel de uma rede prostituição. Nesse caso, afirma Talese, o escândalo foi bem-vindo. "Não é que ele esteja vivendo uma vida tão diferente de muitas outras pessoas, tendo uma prostituta, uma amante. Mas a diferença é que ele preconizava uma posição de moralidade, ele quis fechar bordéis, e aí aparece que ele era cliente de bordéis. É bom que ele seja exposto", diz o escritor.

FOLHA - O que mudou no moralismo americano entre "A Mulher do Próximo" e o escândalo sexual do governador Eliot Spitzer?
TALESE - O moralismo não mudou. A mídia mudou.

FOLHA - De que forma?
TALESE - Quando escrevi "A Mulher do Próximo", a mídia não discutia tanto infidelidade, não transformava a vida privada das pessoas em colunas de notícias. John Kennedy foi presidente dos Estados Unidos e teve muitos casos, mas ninguém escrevia sobre sua vida sexual. Havia rumores, mas isso nunca foi conhecido, como foi com Bill Clinton, ou agora, com o governador de Nova York, ou com o senador [Larry] Craig, o homossexual [que renunciou após assediar um homem em banheiro de aeroporto, em 2007]. Na França, quando François Mitterrand foi presidente, não havia discussão sobre seu filho ilegítimo. Mas a mídia americana publica hoje sobre qualquer coisa.

FOLHA - Os eleitores levam em conta o comportamento sexual do candidato?
TALESE - Não acho que faz diferença nenhuma desde que não se relacione com seu trabalho. John Kennedy foi um presidente muito bom e tinha amantes. Bob Kennedy, seu irmão, tinha amantes. Eram casados e tinham amantes. Lyndon Johnson tinha amantes. Eisenhower. Todos nossos bons presidentes tinham amantes. O presidente Richard Nixon não tinha amantes e foi um presidente ruim. Esse cara, George W. Bush, é um presidente ruim. E não tem amantes. Entende? Bill Clinton foi muito bom e teve. Os piores presidentes são os que não tiveram amantes. Nixon foi o pior de todos os tempos. E Bush é o segundo pior. Se Bush tivesse amantes, talvez não estaria matando tanta gente no Iraque e tendo essa politica de destruir a vida de tanta gente.

FOLHA - O senhor quer dizer que, se a vida sexual de Bush fosse menos comportada, seu governo seria melhor?
TALESE - Não digo que seria melhor, mas quando você olha... Os bons presidentes não eram pessoas que se "comportavam" sexualmente. Martin Luther King tinha muitas amantes. Matin Luther King! Nós temos um feriado para ele, ele é um herói nacional. E tinha muitas amantes. Muitas. Ele era um cara mau? Não, não era.

FOLHA - O desrespeito da privacidade dos políticos é sempre ruim?
TALESE - Depende. Não é bom ou ruim. O que você quer dizer com bom ou ruim? Spitzer é um hipócrita, e é bom que ele seja exposto como hipócrita. Não é que ele esteja vivendo uma vida tão diferente de muitas outras pessoas, tendo uma prostituta, uma amante. Mas a diferença é que ele preconizava uma posição de moralidade, ele quis fechar bordéis, e aí aparece que ele era cliente de bordéis. É bom que ele seja exposto. O outro cara que o substituiu [David Paterson] diz que não tem um casamento perfeito. Mas quem tem? Pelo menos ele trouxe um pouco de verdade para o governo. Spitzer é um hipócrita.

FOLHA - Como repórter, hoje em dia, você publicaria matérias sobre esse escândalo?
TALESE - Não vou dizer que não publicaria, porque, se alguém mais publicar, você tem que publicar. Você não pode fingir que não viu, porque todo mundo sabe sobre isso, está na televisão, nos websites. Se você está no negócio de publicar jornais, tem que publicar o que é considerado notícia. É que hoje em dia tudo é notícia, o que não acontecia 30 anos atrás. É bom ou ruim? Eu não sei. O que acontece é que pelo menos força as pessoas a viverem em coerência com o que dizem.

FOLHA - O sr. avalia mesmo que nada mudou moralmente na sociedade? "A Mulher do Próximo" mostra, por exemplo, a revista "Playboy" como algo chocante e depois mais respeitada, mas hoje em dia a revista é uma instituição americana.
TALESE - Eu mostrava como aquilo mudou naquela época. Nós tivemos mudança real nos anos 1960 e 1970, quando escrevi aquele livro. Pouca coisa mudou desde então. Exceto que a mídia fala mais sobre sexo agora porque há mais liberdade para isso. Mas você não vê pessoas tendo relação sexual com penetração na TV, não ouve certas palavras na TV. Há restrição sobre o que você pode dizer, o que você pode ver. Você não pode ver homem nu na TV mostrando o pênis, não pode. No Brasil também não pode, tenho certeza.

FOLHA - Mas, se a mídia muda, a percepção da sociedade não muda juntamente com ela? TALESE - Eu acho que a mídia mantém a história viva. Quando Bill Clinton teve uma pequena vida sexual com Monica Lewinsky, isso não tinha nada a ver com o trabalho dele como presidente. Não ocupou muito tempo dele. Mas a mídia fez uma história enorme, e aí as pessoas começam a se importar. Lembra que o papa João Paulo 2º estava visitando [Fidel] Castro naquela época? Ele estava indo para Havana e toda a mídia estava lá para cobrir o papa. Quando houve o rumor de que o presidente Clinton teve esse pequeno caso sexual no Salão Oval, todo mundo deixou Havana. Toda a mídia foi embora. E o papa não tinha com quem falar. Não havia cobertura de Castro encontrando o papa. A mentalidade da mídia está toda voltada para escândalos sexuais. A mídia conduz a história.

FOLHA - Por quê?
TALESE - Sexo não é complicado. Política é complicado. Na campanha, veja, as pessoas não ligam para propostas. Elas gostam de histórias simples, escandalosas, com o mais baixo, o menor denominador comum. E a mídia provê isso. A mídia é que conduz a história.

FOLHA - Mas por que o governador renunciou, se as pessoas não se importam tanto assim? TALESE - A mídia faz as pessoas se importarem, porque repete, repete, repete e repete a história. Fica batendo até a morte. A mídia quer manter a história. Acho que é bom que Spitizer tenha sido exposto como hipócrita, porque é. Já Bush não é um hipócrita sexual, mas é hipócrita em várias outras formas.

FOLHA - Em que formas?
TALESE - Ele diz que estamos tentando levar democracia para o mundo. E não estamos. Estamos invadindo o mundo, forçando eles [outros países] a se ajustarem a nossa política. A administração de Bush critica os chineses em direitos humanos, e nós invadimos os países de outras pessoas e levamos atrocidades para esses países. Não estamos em uma posição em que podemos dizer que somos melhores que os outros. Somos piores, de certo modo.

Aviso

Por favor, avisem as turmas do quarto e terceiro semestres (manhã e tarde) de Jornalismo que eu vou usar os horários do Miguez nesta semana, pois ele vai pro EUA num congresso. Apenas amanhã de manhã, terça, nossa aula começa às 9h (ao invés das 7h30, como é o horário do Miguez). Os demais horários dele eu usarei integralmente.

Leandro

sábado, 22 de março de 2008

DICAS PARA A PRODUÇÃO DE NOTÍCIAS

Pessoas queridas.

Acabo de ler todas as notícias sobre a palestra do Albino. Nenhum texto, do jeito que está, pode ser publicado no Reverso. Assim, temos um problema para os editores. Leiam os meus comentários em todos os textos, para que vcs não repitam os problemas em textos futuros. Muitos continuam produzindo atas, outros não entenderam as idéias do palestrante (o que é grave, especialmente pq ninguém perguntou nada depois), outros produziram textos que mais parecem artigos e ninguém conseguiu, efetivamente, tirar uma notícia do evento e desenvolvê-la no texto. Por isso, vamos continuar produzindo notícias até que os textos melhorem, ok? Abaixo seguem algumas dicas. Um abraço e feliz páscoa.

Leandro



- Radicalize a ordem de importância do que será escrito. A primeira frase resume o que é mais importante no texto.

- Não repita palavras no mesmo parágrafo. Evite o excesso de quês e de gerúndios. Não use clichês ou cacoetes de linguagem (ex: abrir com chave de ouro, caixinha de surpresas etc)

- Observe a atualidade. Não inicie com ontem, semana passada. Use verbos no presente sempre que possível. O “quem” deve estar no início da frase se a pessoa for mais importante do que “o que”

- Não se inclua no texto. Não opine e não use adjetivos

- Escreva da forma mais objetiva possível. Use a voz ativa: sujeito que originou a ação + verbo + sujeito que sofreu a ação. Escreva frases curtas.

- Para as citações entre aspas, use o discurso direto. Ao usar o discurso indireto, sempre deixe claro quem está falando (segundo, de acordo, conforme etc). Evite o discurso indireto livre.

- Observe o uso dos verbos declarativos: Os neutros são: afirmar, declarar, dizer, falar, perguntar ou responder. Os com carga positiva são: argumentar, concluir, expor, garantir, lembrar, prometer, ressaltar e salientar. Os com carga negativa são: admitir, alegar, confessar, reconhecer ou jurar.

- Informe primeiro a profissão ou cargo (em caixa baixa) e depois o nome completo da fonte, seguido da idade (nem sempre obrigatória, mas desejável). Use os pronomes de tratamento apenas em alguns casos, como Dona Canô Veloso. Doutor é quem defendeu uma tese de doutorado. Senhor ou senhora podem ser usados em transcrição de entrevistas.

- Ao citar pela segunda vez uma mesma fonte, use apenas o sobrenome (no caso de homem) ou o cargo que ela ocupa.

- Evite dar vida a entidades. Evite as abreviaturas

- Sempre explique o significado das siglas, especialmente as desconhecidas.

- Números: escreva por extenso de zero a dez. Nos demais, use os algarismos, exceto em alguns casos. Ex: escreva 10 mil e não 10.000. Para as datas, use 31 de outubro de 2006 e não 31/10/06.

- No caso de coberturas de eventos, não produza uma ata. Jornalista não é secretário.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Isto é uma ata?

Provocações de um intelectual

Bernard-Henri Lèvy defendeu maior atuação de pensadores em palestra anteontem, no TCA

Ana Cristina Pereira

Uma espécie de arqueologia de si mesmo. Foi a essa reflexão que se entregou o filósofo, jornalista e escritor Bernard-Henri Lèvy para tentar responder qual seria “O papel do intelectual na sociedade contemporânea”, foco da fala inaugural do ciclo Fronteiras Braskem do Pensamento. Falando para uma platéia numerosa, anteontem, no Teatro Castro Alves, ele não polemizou, como muitos esperavam, mas defendeu que os pensadores do nosso tempo devem ter uma ação mais efetiva na sociedade.

No prólogo um tanto quanto demorado, Bernard-Herri Lèvy disse que poderia abordar o tema de várias maneiras, como apontando os momentos no século XX em que os intelectuais se calaram diante de várias barbáries. “Resolvi falar do que conheço menos mal, da história intelectual da minha geração, e da minha, em particular”. Ao usar a própria trajetória como exemplo de atuação intelectual, Lèvy chamou para si a responsabilidade, valorizando a importância que tem tido com uma atuação efetiva (em livros, falas e atuando, por exemplo, na cobertura da Guerra da Bósnia) e boas doses de polêmicas.

Entre outras coisas, ele defende, e voltou a fazê-lo no TCA, o modelo de democracia americana como um dos mais bem resolvidos do mundo. “Os Estados Unidos são o país da tolerância generalizada. Superaram os problemas raciais e fizeram uma revolução social. Tem seus problemas, mas o Bush é um parênteses ruim, vai passar. Estou rezando todos os dias para Obama ser o vencedor, mas se for a Hilary também não será ruim”, respondeu à platéia, na sessão reservada às perguntas mediadas pelo jornalista José Raimundo.

Aos 60 anos, Lèvy apontou quatro “pilares” que considera fundamentais para a sua formação e a de seus colegas, pensando, obviamente, no intelectual francês ou europeu: a experiência do nazismo e a tentativa de eliminação dos judeus; os conflitos liderados pelos jovens em maio de 68, na França, reprimidos duramente por Charles de Gaulle; a sangrenta revolução no Camboja na década de 1970 e as recorrentes idéias totalitárias. Lèvy comparou o totalitarismo à ilusão de que é possível curar e eliminar o mal da sociedade e afirmou: “Para eliminar o mal voltamos à segregação”.

Para Lèvy, o escritor e médico francês Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) é a ilustração perfeita desse espírito, já que foi abertamente favorável às teorias nazistas em seus textos literários. No final de sua fala, o filósofo defendeu a necessidade de mudanças e da defesa das dignidades dos povos. Um ponto essencial, disse, será o apoio aos intelectuais moderados do Islã. E destacou a vinda a Salvador da política Ayaan Hirsi Ali, somali naturalizada holandesa, que levantou a voz contra os extremistas do Islã.

Ela é a convidada de julho do Fronteiras Braskem do Pensamento, cuja próxima rodada será no dia 29 de abril, com os artistas visuais Christo e Jeanne-Claude. Aprovado pela platéia de convidados de anteontem, o evento promete boas conversas até o final do ano. “É uma proposta muito interessante, pois o saber ultrapassa a questão das fronteiras”, afirmou o Irmão Felipe, monge beneditino que estava acompanhado de outros dois religiosos. A pesquisadora Laura Bezerra, que integra a equipe do Seminário Internacional de Cinema, também achou a idéia “ótima” e a escolha de Lèvy apropriada, mas faz uma ressalva quanto ao preço. “Acho que poderia ser mais barato, de graça ou vendido por palestra”, disse. O pacote para o evento custa R$250 até o final do mês.

Animado com a fala do francês, o escritor Fernando da Rocha Peres disse que achava que “todo intelectual baiano presente deveria buscar os seus pilares”. Um dos seus, elegeu, foi o rico aprendizado no Colégio Central. Já o reitor da Unifacs, Manoel Joaquim de Barros, destacou o estilo direto e sem omissões de Lèvy. “Achei muito bom. Ele não somente é o intelectual que tem o que dizer, mas acredita nele mesmo e no papel do intelectual na sociedade”, resumiu.

quarta-feira, 19 de março de 2008

AVISO

QUERIDOS E QUERIDAS.

ACABO DE RECEBER UM TELEFONEMA DO CAHL (ÀS 14H30) E FUI INFORMADO DE QUE AMANHÃ (QUINTA FEIRA SANTA) SERÁ PONTO FACULTATIVO E QUE NENHUM PROFESSOR E SERVIDOR VAI TRABALHAR. POR ISSO, OPTEI POR TAMBÉM NÃO REALIZAR A NOSSA AULA. NA PRÓXIMA SEMANA, EM NOSSA AULA DE TERÇA, PRECISAMOS FECHAR O JORNAL E REORGANIZAR O NOSSO CRONOGRAMA.

BOA PÁSCOA PRA TODOS

LEANDRO

terça-feira, 18 de março de 2008

" Cultura é muito mais que arte "

Ana Clara Barros
A cultura contemporânea tem um papel muito importante na economia, na política, na educação e na sociedade. Ela é essencial na configuração do mundo atual, nesta sociedade da comunicação. “Mas isso não é reconhecido por grande parte dos brasileiros, que vêem cultura como arte, ornamento, a verdadeira ‘cereja do bolo’”, afirma o professor doutor da UFBA, Antonio Albino Canelas Rubim, em debate ocorrido na sexta-feira, dia 14, no Centro de Artes, Humanidades e Letras – Cahl – UFRB.
A culturalização da política e da mercadoria foram processos ocorridos no mundo contemporâneo. Na dinâmica econômica, cada vez mais o produto ganha uma dimensão simbólica que lhe agrega um valor maior. “Temos uma concepção de cultura mais ampla, além das artes, das ciências, ela envolve valores, comportamentos, saúde, comunicação”, disse Rubim.
O debate foi denomidado por Rubim como ‘Conversas sobre Comunicação, Cultura e Contemporaneidade’. Segundo o professor, a centralidade e a transversalidade da cultura sempre são temas de debates sobre cultura. Ele ressalta a importância dos conhecimentos múltiplos gerais, e da interação entre esferas que antes eram autônomas.

Cultura é centro de discussão

Maísa Almeida
A idéia de interação entre a cultura e os outros ministérios, como o da educação, ainda não foi absorvida pelo governo. A transversalidade da cultura, que perpassa por todos os campos, não foi percebida pela sociedade, necessitando que o estado interfira através de políticas púbicas. Na palestra sobre cultura, comunicação e contemporaneidade, o professor da UFBA, Albino Rubim, destacou como a cultura possui um papel importante na configuração do mundo contemporâneo, abrangendo a área da política, da economia, da educação, da ciência. “A noção de cultura é ampla, não se limita à arte e ao padrão erudito, mas inclui também o senso comum e faz parte do nosso cotidiano”, afirma Rubim.

Para demonstrar como a cultura está impregnada em várias dimensões da sociedade, Albino Rubim falou da culturalização da política e da mercadoria. Temas culturais passaram a ser abordados pela política. Em relação ao mercado, vale mais a marca, o design de um produto do que a sua função. Assim, a mercadoria agrega diversos valores, havendo uma relação estreita entre o comércio e as dimensões simbólicas. A cultura midiatizada é a nova cultura, resultado do capitalismo e dos avanços tecnológicos que possibilitaram a reprodução técnica dos bens culturais e simbólicos.
Na contemporaneidade, a linha de pensamento interdisciplinar vem crescendo. Os vários campos de conhecimentos são pensados em conjunto e não de forma especializada e autônoma. Prosseguindo o debate, Rubim afirma que estamos vivendo o “reencatamento do mundo”, pois sabemos que a razão não é plena, tem limites. Ele explica que antes o mundo era encantado, era um mundo de mitos. Depois, o Iluminismo surge valorizando a razão, provocando o “desencantamento do mundo”. E hoje, presenciamos o reencatamento. “Acho que o mundo contemporâneo não é o da razão exacerbada”, declara.

Outro assunto questionado nessa exposição da última sexta-feira, 14 de março, na UFRB, foi a noção de culturas regionais. O foco foi a identidade baiana, composta pela cultura da capital e as culturas do interior. A baianidade vem de longe, a Bahia era cantada como uma terra paradisíaca, da cultura negra, e esta idéia foi apropriada por uma política de turismo. Esta Bahia existe, mas não é única. “Temos que repensar a baianidade com um pé da diversidade”, alega Rubim.

Economia criativa é diferencial para o mercado, diz pesquisador

Por Lorena Andrade
O consumidor atual tem buscado diferencial nos produtos. Seja pela grande oferta apresentada todos os dias ou por consumismo, a produção industrial, cada vez mais acelerada, tem direcionado suas escolhas aos detalhes de cada produto.

A inovação buscada pelas empresas consiste principalmente no que diz respeito ao conforto e satisfação do cliente. Quanto maiores as vantagens oferecidas, mais chances de vencer a concorrência.

Segundo o professor doutor Albino Rubim, coordenador do Centro de Estudos Multidisciplinares da UFBA, essa mercantilização da cultura é fruto das transformações da sociedade capitalista. Desde a institucionalização da cultura como campo de conhecimento, ela tem abrangido todas as outras áreas, criando uma inter-relação e não mais uma dependência.

Em uma palestra que envolvia o tema da cultura e contemporaneidade na UFRB, Rubim apontou a economia criativa como uma possibilidade para um diferenciamento na briga mercadológica atual. Para ele, o que define o valor de uma determinada mercadoria hoje não é o que ela significa em si, mas a marca agregada a ela.
A economia criativa, embora tenha diversas definições entre os países, pode ser analisada como o aproveitamento da capacidade intelectual e criativa de um ou vários indivíduos para a produção de inovações dentro de uma empresa. E, partindo desse princípio, é possível observar o quanto esse modelo é tendência nos dias atuais.

No Brasil, ele tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Hoje, o país possui um Instituto da ‘Economia criativa’ que reune as empresas interessadas nesse conceito e objetiva estender esse aproveitamento não somente à produção, mas para a gestão dos negócios.

Debate agita primeira semana de aulas no CAHL

Albino Rubim, professor da Universidade Federal da Bahia, a convite do NESPOC (Núcleo de Estudos em Sociedade, Poder e Cultura), esteve no CAHL, em Cachoeira, nesta última sexta (14), protagonizando o debate sobre “Cultura, Comunicação e Contemporaneidade”. A aluna do 4º semestre do curso de comunicação da UFRB, Joseane Vitena, elogiou a clareza no discurso de Rubim, que antes de iniciar a sua palestra falou sobre a importância do contato entre as duas Universidades, como forma de manter um diálogo mais amplo.

Já dentro das questões a serem debatidas, Rubim questionou sobre como a cultura chegou ao patamar atual. Ele acredita que toda identidade é construída e fabricada. “Não existe uma identidade que seja espontânea”. Para ele, é necessário levar em consideração dois aspectos, o primeiro ligado a culturalização da política, a partir do momento em que identidade cultural, questões étnicas, raciais e afins passaram a fazer parte das pautas das bancadas políticas. E a culturalização das mercadorias, ou seja, quando a um determinado bem é atribuído um valor simbólico, um carro vendido pela sua marca, por exemplo.
Durante a conversa, o professor Rubim levantou diversas indagações a respeito da conformação cultural contemporânea e a ligação do capital ao conhecimento. “Grandes sistemas de países com economia emergente lutam por essa propriedade intelectual. Quem não tem autonomia intelectual, não domina o capital”, comentou.
Ao final, os professores do CAHL roubaram a cena, conduzindo suas perguntas, dúvidas e questionamentos ao professor Albino Rubim, que respondeu a todas, enriquecendo e fechando com chave de ouro o debate.