quinta-feira, 27 de março de 2008

Matérias do Reverso Editadas

“Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher...”

Passeio pelas ruas de Cachoeira e São Félix revela um pouco da história de quatro mulheres

Gislene Mesquita e Tamires Peixoto

Em uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, a reportagem do Reverso resolveu sair às ruas de Cachoeira e São Félix, aleatoriamente, para contar um pouco da história e rotina de algumas das 17 mil mulheres que vivem nas duas cidades. Sorema Correia Ribeiro, nascida em Salvador, 28 anos, é uma delas. Ela é prostituta. “O que eu faço é ilegal, eu sei disso, mas não tenho opção. Emprego está difícil e eu preciso comprar minhas coisas”, diz ela, desconhecendo que a sua profissão já foi regulamentada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e classificada no Código Brasileiro de Ocupações sob o número 5198-05. Crime é induzir, facilitar ou explorar a prostituição, segundo artigos 227 a 232 do Código Penal.
Em Cachoeira há dois anos, Sorema, antes disso, já “fazia vida” em Salvador. A relação com a família ela diz ser boa, apesar deles não conversarem abertamente sobre sua profissão. “Tive uma boa infância, vejo sempre meus pais e meus irmãos, eles sabem o que eu faço, mas eu nego. É complicado falar disso com eles porque ninguém gosta de saber que alguém de sua família é prostituta”.
Sorema mora com o namorado. “Ele não gosta de saber que vou para a cama com outros homens, mas sabe que eu não tenho opção, sou mulher, gosto de comprar cremes, fazer minha unha, e não vou roubar. Essa foi a única opção que encontrei”. Questionada sobre o futuro, Sorema diz que tinha vontade de ser enfermeira, mas vê isso como um sonho quase impossível. “Estudei até o 2° grau, mas sou muito acomodada, não tenho condições de voltar a estudar”.
MULHER CHARUTEIRA - Jacira Almeida Bispo, 41 anos, trabalha na Fábrica de Charutos Dannemann, em São Félix. Nascida em Cruz das Almas, onde ainda mora, ela vem e volta todos os dias. Jacira trabalha na fábrica há oito anos. Ela diz que adora o seu emprego, apesar de considerar o seu salário baixo (recebe um salário mínimo mais um acréscimo de 30 reais). “Ganho pouco, não dá para muita coisa, mas eu gosto muito daqui”, afirma Jacira.
Ela é casada, tem dois filhos e se considera feliz. Jacira diz que não pensa em morar em São Félix, pois passou sua vida toda em Cruz das Almas. “Meu marido trabalha num armazém em Cruz, meus filhos nasceram lá, além de ter meus parentes e amigos”, diz ela.
O que destaca Jacira das outras trabalhadoras do Dannemann é o fato dela fumar charuto enquanto exerce sua função. Ela conta que começou a fumar logo depois que entrou na fábrica. “Achava o cheiro agradável e tinha curiosidade. Fumei uma vez, gostei e fumo até hoje”. Quando questionada a respeito de largar o emprego por outro em Cruz com um salário maior, ela responde: “Não sei, acho muito difícil. Teria que pensar bastante porque gosto muito daqui”, responde ela.
MULHER PROTESTANTE – Natural de Muritiba, Denise Figueiredo se considera cachoeirana, pois mora na cidade desde pequena. Há cinco anos se converteu para a Igreja Pentecostal e afirma que missionária de Deus é sua profissão. Ela tem 33 anos, seu esposo é pastor e sua filha adolescente segue os preceitos religiosos dos pais. Denise acredita que seu objetivo na Terra seja servir a Deus, porém, a trajetória religiosa dessa mulher já foi diferente.
Batizada na Igreja Católica, a missionária freqüentou missas e a catequese na infância. Quando adquiriu um grau de independência, ela quis conhecer o Espiritismo, especificamente o kardecista. No entanto, esse fato não anulou Denise de continuar se auto-intitulando católica mas, como ela mesma afirma, “católica não praticante”.
Durante a juventude, ela também conheceu a umbanda. “Eu não abandonei as outras religiões, o que houve, na verdade, foi que Jesus me encontrou”. Segundo ela, os protestantes já sofreram muito preconceito na cidade, mas hoje essa situação foi amenizada. Sobre a questão de Cachoeira ser conhecida pelo Candomblé, Denise não acredita que a religião de matriz africana seja dominante na cidade. “Claro que há muitos terreiros em Cachoeira, mas têm muitas igrejas protestantes também. Cada vez estamos nos firmando e aumentando o número de fiéis”.
MULHER MARAVILHA – Às cinco da manhã, Elieci Soledad, 40 anos, técnica de radiologia, acorda e começa a sua rotina. O dia-a-dia dela inclui academia, levar a filha na escola em Muritiba e, das oito ao meio dia, trabalhar na Santa Casa de Misericórdia de São Félix. Durante a conversa, Elieci foi interrompida diversas vezes, distribuindo sua atenção entre a entrevista e os pacientes. O contraste entre o ambiente tenso e estressante e a calma e tranqüilidade que ela transmite era evidente.
No decorrer do dia, ela ainda encontra tempo para vender produtos da Natura de casa em casa, praticar vôlei como hobby e, finalmente, trabalhar no Centro Espírita Consolador dos que Sofrem, que ela preside.
Sejam prostitutas, charuteiras, religiosas ou profissionais da área de saúde, feras ou anjos, como diz a letra da música de Cássia Eller, todas são mulheres, mas poderiam ser chamadas também de batalhadoras.

Um comentário:

Victor Costa disse...

A prostituição já foi foi regulamentada em lei? Essa eu realmente não sabia!

Obs.: nada tenho contra quem vive dessa profissão.