quinta-feira, 27 de março de 2008

Matérias do Reverso Editadas

Motoristas e cobradores nem sempre se entendem

O relacionamento entre os motoristas das vans e os cobradores é atribulado e, algumas vezes, desleal. Segundo Juninho, a relação empregatícia dos cobradores não é regida pela associação e sim pelos motoristas dos carros. O motorista paga o serviço por semana e o almoço do cobrador, o que dá em média um salário mínimo por mês.
Para retratar essa relação delicada, um grupo de cobradores falou abertamente sobre o papel deles nas vans e as relações entre eles, os motoristas e os passageiros. O cobrador Jessé Magalhães, 22 anos, disse que tem que se virar em qualquer situação. “Os motoristas não querem saber de nada, sobra sempre para o cobrador”. Ele disse que o motorista para o qual ele trabalha, uma vez pegou um bêbado na estrada e quem teve que aturar as “brincadeiras” e a relutância em pagar foi ele. Depois ainda teve que escutar do motorista que ele estava demorando a receber do passageiro. “Como é que eu podia receber se o homem mal conseguia lembrar onde estava o dinheiro?”, comenta Jessé.
O cobrador mais antigo do grupo, Perivaldo de Jesus, 28 anos, afirma que “eles (motoristas) não dão nada, só pagam e depois de um ano mandam embora, sem nada”. Perivaldo já trabalhou para mais de três motoristas diferentes. Nesse momento, outros dois cobradores, que também participavam da conversa, concordaram sem hesitar. Para Fábio Marques, 23 anos, conhecido como “o bonito”, a única coisa que vale nesse emprego é que sempre vêem muita gente diferente.
Sobre a lotação, eles contam que, “dependendo do carro, botam até trinta pessoas”. Perguntados sobre o limite máximo, disseram que isso não existe. Enquanto der para alguém apertar, continua entrando passageiro. Os cobradores desmentiram a possível punição para os motoristas que superlotam as vans. Os motoristas não se importam com o excesso de passageiros, porque eles não têm que se apertar e nem viajar quase para fora do carro, como disse o cobrador Erandi Bastos, 24 anos.
Nessa relação de interdependência existe quase que uma luta de classes entre motoristas e cobradores e, no final, quem sobra mesmo é o passageiro, apertado e sem saber de quem é a culpa, só xingando mentalmente e, às vezes verbalmente, as mães de cobradores e motoristas.
PASSAGEIROS CONSTANTES - Alguns dos passageiros mais constantes das vans são os estudantes. Precisando ir e vir todos os dias pelas cidades do Recôncavo para fazerem os seus cursos, eles acabam vivenciando toda essa integração que ocorre pelo transporte alternativo. João Pedro Prado, 20 anos, conta que a van que ele usa de Feira de Santana para Cachoeira, todos os dias, não chega a ser uma linha comum, e sim um transporte que passa de casa em casa para pegar as pessoas certas. Ao comentar sobre os casos dentro da van, João Pedro lembrou de um passageiro que não é muito comum, mas é “lendário, um cara totalmente sem noção”, segundo ele. Quando o motorista avisa que vai pegar Jorge, muita gente protesta. “Teve um dia que ele, do nada, falou alto que ‘ainda bem que eu parei de usar droga’, nada que agrade as outras pessoas saberem”.
Para Nirane Lopes, 26 anos, o melhor da van é a rapidez e a facilidade. Ela fala que o que mais olha na hora de pegar a van para Conceição da Feira é o estado de conservação do carro e não o “aperto”. Marlene Lima, 19 anos, que mora em Santo Amaro, disse que uma vez, na van, um homem começou a passar a mão nela. Ela só pôde mudar de lugar depois que um outro passageiro desceu. Quando o cobrador perguntou porque ela havia mudado, ela contou. Os outros passageiros quiseram bater no homem e o motorista teve que deixá-lo no meio da estrada, perto de um ponto onde ele poderia pegar outra van.
Carla Suzard, 32 anos, relata as várias histórias que escuta durante a viagem e também conversa sobre diversos assuntos, já que sempre encontra alguém conhecido no transporte. “Certa vez me aborreci com o motorista porque ele não estava com os documentos em dia. Por isso, tivemos que ir por outro caminho mais longo para não encontrar os policiais. Atrasou a viagem e reclamei, mas não levei o caso à associação”, desabafa.
Um pouco diferente da experiência de Carla, que afirma sempre encontrar conhecidos nas vans, Marisa Gomes, 23 anos, contou como uma vez conheceu uma senhora dentro da van e essa lhe contou toda sua vida, desde o casamento, a gravidez até os problemas atuais com o ex-marido. Tudo isso no trajeto de Feira de Santana até Cachoeira.
O serviço das vans facilita a vida de muita gente e nelas se passam histórias e relatos do cotidiano dos passageiros. Durante a viagem, as pessoas falam da família, de política, de festas, dos problemas diários. O transporte coletivo no Recôncavo representa vínculos culturais e troca de experiências entre pessoas e cidades.

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