quinta-feira, 27 de março de 2008

Matérias do Reverso Editadas

Religião
Sem as bênçãos de Oxum
Outrora ilegais, casamentos oficiais em terreiros de Candomblé ainda são raros no Brasil
Jamile Teixeira, Joseane Vitena, Marlene Lima e Nirane Lopes

A cultura negra foi massacrada durante séculos. Ultimamente, ela vem sendo exaltada, ainda que muitas vezes a imagem do negro seja representada de forma estereotipada. Apesar dos avanços, a discriminação, os preconceitos e as desigualdades ainda persistem. Uma delas, pouco lembrada, tem relação com as cerimônias de casamento. Por muito tempo, o matrimônio realizado no Candomblé era algo ilegal. Recentemente, o Tribunal de Justiça da Bahia reconheceu a legalização dessa união nos terreiros. O problema é que, no Brasil, até agora, apenas dois estados reconhecem oficialmente essas cerimônias: a Bahia e o Rio Grande do Sul. Em Cachoeira e São Félix, segundo a Justiça, os terreiros ainda não solicitaram o direito de legalizar os casamentos realizados por pais e mães de santo.
Igo Vinícius Oliveira, estudante de Direito e que também trabalha no Ministério Público de Cachoeira, lembra que o Estado brasileiro, oficialmente, é laico, ou seja, não está ligado a nenhuma religião ou culto. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso VI, ainda diz que “é inviolável a liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
O casamento é a principal relação para a formação da família. A Carta Magna consagrou ao casamento religioso o efeito civil sem determinar qual religião, nem mesmo o celebrante. E é justamente neste aspecto que foi gerada uma grande polêmica. Segundo Igo, para a lei, o celebrante é a autoridade religiosa. No entanto, questionamentos preconceituosos colocaram em dúvida se o pai ou mãe de santo seriam autoridades religiosas. Idelson Sales, babalorixá (pai de santo) do terreiro Ilê Axé Ogumjá há 21 anos, diz que o babalorixá sem dúvida é uma autoridade religiosa. Ele diz que, antes do reconhecimento legal, os filhos ou filhas de santo que desejassem casar, tinham apenas a alternativa de recorrer ao casamento no civil. “No meu terreiro existem três casais que adiaram este sonho, mas que agora está próximo de se realizar”, diz Idelson.
BUROCRACIA - Questionado sobre pedidos de legalização do casamento em terreiros de Cachoeira e São Félix, Igo responde que, até hoje, não houve esta procura. “Muita gente desconhece. Talvez esta fosse uma iniciativa a ser tomada pela Federação dos Cultos Afros, de informar os pais de santo, as mães de santo e, consequentemente, os filhos de santo, ou mesmo admiradores que desejam o casamento em terreiros, da possibilidade de realização desses casamentos, até mesmo capacitá-los em relação às medidas formais perante a Justiça, para tal realização”. Portanto, mesmo depois de ser concedido o direito às religiões de matriz africana a realizar casamentos, ainda se ouve falar que os terreiros não realizam casamentos porque não estão preparados.
Mas, afinal, que preparação é essa? Igo explica a necessidade de o terreiro ser registrado como pessoa jurídica pela justiça federal, declarando-se como uma sociedade religiosa, ou seja, é necessário que tenha um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). “Para isso, ele deve ter estatuto, uma ata de constituição, que informe quem é o líder religioso. Nesta ata deve estar registrado quem é o chefe da casa, suas atribuições, seus poderes, a competência de realizar casamentos, além de contar a história, uma espécie de memorial do terreiro. A ata precisa ser enviada ao cartório. E, então, depois que a pessoa casa no terreiro, é lavrado um termo próprio, tira-se uma certidão daquele registro no livro e as pessoas levam ao cartório. O oficial de justiça conclui o processo e verifica se as formalidades legais foram realizadas. A partir daí, o oficial lavra o termo do casamento no efeito civil e disponibiliza a certidão de casamento aos noivos”, diz ele. Todas as religiões passam por esses requisitos. No entanto, nem todas são tão marcadas pela oralidade e avessas à burocracia como o Candomblé, algo que a lei, nem de longe, contempla.
OXUM - Na cerimônia, o pai de santo ou a mãe de santo não necessitam estar incorporados pela deusa do amor, Oxum. Idelson explica: “têm filhos ou filhas de santo que pedem que Oxum, ou até mesmo outros orixás estejam presentes para abençoar, aí a gente chama, mas nem sempre é o babalorixá ou ialorixá que está incorporado, pode ser um filho de santo, o que normalmente acontece. O babalorixá realiza o casamento, dá as bênçãos, joga sua água”.

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