Religião
Sem as bênçãos de Oxum
Outrora ilegais, casamentos oficiais em terreiros de Candomblé ainda são raros no Brasil
Jamile Teixeira, Joseane Vitena, Marlene Lima e Nirane Lopes
A cultura negra foi massacrada durante séculos. Ultimamente, ela vem sendo exaltada, ainda que muitas vezes a imagem do negro seja representada de forma estereotipada. Apesar dos avanços, a discriminação, os preconceitos e as desigualdades ainda persistem. Uma delas, pouco lembrada, tem relação com as cerimônias de casamento. Por muito tempo, o matrimônio realizado no Candomblé era algo ilegal. Recentemente, o Tribunal de Justiça da Bahia reconheceu a legalização dessa união nos terreiros. O problema é que, no Brasil, até agora, apenas dois estados reconhecem oficialmente essas cerimônias: a Bahia e o Rio Grande do Sul. Em Cachoeira e São Félix, segundo a Justiça, os terreiros ainda não solicitaram o direito de legalizar os casamentos realizados por pais e mães de santo.
Igo Vinícius Oliveira, estudante de Direito e que também trabalha no Ministério Público de Cachoeira, lembra que o Estado brasileiro, oficialmente, é laico, ou seja, não está ligado a nenhuma religião ou culto. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso VI, ainda diz que “é inviolável a liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
O casamento é a principal relação para a formação da família. A Carta Magna consagrou ao casamento religioso o efeito civil sem determinar qual religião, nem mesmo o celebrante. E é justamente neste aspecto que foi gerada uma grande polêmica. Segundo Igo, para a lei, o celebrante é a autoridade religiosa. No entanto, questionamentos preconceituosos colocaram em dúvida se o pai ou mãe de santo seriam autoridades religiosas. Idelson Sales, babalorixá (pai de santo) do terreiro Ilê Axé Ogumjá há 21 anos, diz que o babalorixá sem dúvida é uma autoridade religiosa. Ele diz que, antes do reconhecimento legal, os filhos ou filhas de santo que desejassem casar, tinham apenas a alternativa de recorrer ao casamento no civil. “No meu terreiro existem três casais que adiaram este sonho, mas que agora está próximo de se realizar”, diz Idelson.
BUROCRACIA - Questionado sobre pedidos de legalização do casamento em terreiros de Cachoeira e São Félix, Igo responde que, até hoje, não houve esta procura. “Muita gente desconhece. Talvez esta fosse uma iniciativa a ser tomada pela Federação dos Cultos Afros, de informar os pais de santo, as mães de santo e, consequentemente, os filhos de santo, ou mesmo admiradores que desejam o casamento em terreiros, da possibilidade de realização desses casamentos, até mesmo capacitá-los em relação às medidas formais perante a Justiça, para tal realização”. Portanto, mesmo depois de ser concedido o direito às religiões de matriz africana a realizar casamentos, ainda se ouve falar que os terreiros não realizam casamentos porque não estão preparados.
Mas, afinal, que preparação é essa? Igo explica a necessidade de o terreiro ser registrado como pessoa jurídica pela justiça federal, declarando-se como uma sociedade religiosa, ou seja, é necessário que tenha um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). “Para isso, ele deve ter estatuto, uma ata de constituição, que informe quem é o líder religioso. Nesta ata deve estar registrado quem é o chefe da casa, suas atribuições, seus poderes, a competência de realizar casamentos, além de contar a história, uma espécie de memorial do terreiro. A ata precisa ser enviada ao cartório. E, então, depois que a pessoa casa no terreiro, é lavrado um termo próprio, tira-se uma certidão daquele registro no livro e as pessoas levam ao cartório. O oficial de justiça conclui o processo e verifica se as formalidades legais foram realizadas. A partir daí, o oficial lavra o termo do casamento no efeito civil e disponibiliza a certidão de casamento aos noivos”, diz ele. Todas as religiões passam por esses requisitos. No entanto, nem todas são tão marcadas pela oralidade e avessas à burocracia como o Candomblé, algo que a lei, nem de longe, contempla.
OXUM - Na cerimônia, o pai de santo ou a mãe de santo não necessitam estar incorporados pela deusa do amor, Oxum. Idelson explica: “têm filhos ou filhas de santo que pedem que Oxum, ou até mesmo outros orixás estejam presentes para abençoar, aí a gente chama, mas nem sempre é o babalorixá ou ialorixá que está incorporado, pode ser um filho de santo, o que normalmente acontece. O babalorixá realiza o casamento, dá as bênçãos, joga sua água”.
quinta-feira, 27 de março de 2008
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