quinta-feira, 27 de março de 2008

Matérias do Reverso Editadas

Sincretismo ainda gera polêmica

Um tema recorrente nas discussões sobre religião e a cultura afrodescendente é o sincretismo religioso, a fusão de diferentes crenças, que está presente em todo o Brasil. Para muitos estudiosos, o sincretismo surgiu como forma dos escravos africanos trazidos para o Brasil cultuarem seus deuses sem serem percebidos pelos seus senhores. Assim era feita a associação dos deuses dos negros com os santos da Igreja Católica.
Na cidade da Cachoeira, um símbolo vivo do sincretismo religioso é a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, congregação católica de mulheres negras e mestiças. “As irmãs da Boa Morte prestam culto à Maria Santíssima, mas cada uma delas venera um orixá particular em suas casas. Assim como elas veneram a morte, vida e assunção de Maria”, diz Luís Magno, funcionário do IPAC (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural) e conhecedor do Candomblé.
O sincretismo gera polêmica. Para algumas pessoas, foi uma forma de preservar a religião do negro, mesmo que de forma maquiada, fazendo com que os afrodescendentes tenham conhecimento de suas origens religiosas. Mas, atualmente, ele poderia estar cumprindo um papel contrário. “Talvez, se não fosse o sincretismo religioso, tudo isso já teria acabado realmente. Entretanto, em pleno século XXI, o sincretismo já não é mais tolerável. Temos que lutar pela descolonização da cabeça das pessoas, Ogum é Ogum e não Santo Antônio”, ressalta Antônio Moraes, secretário de Cultura e Turismo da cidade da Cachoeira.
A visão do sincretismo como forma de preservação da religião afro não é unânime. Segundo Marcelino Gomes, diretor da Fundação Casa Paulo Dias Adorno, essa prática é uma forma de preconceito, uma maneira de baixar a estima do africano. “Criaram a idéia de que o africano inventou o sincretismo, mas isso foi uma imposição da Igreja Católica sorrateiramente, que conhece o Candomblé mais do que a gente”, completa. Ainda, segundo ele, “várias irmãs da Boa Morte negam que são do Candomblé, enquanto todas fazem parte”.
A posição da Igreja Católica e de seus fiéis sobre a religião afro é vista como preconceituosa, contudo, na maioria das vezes, as mesmas pessoas que criticam, visitam os terreiros da cidade. “Quando os católicos precisam do Candomblé vão por debaixo do pano, às escondidas. Depois juram que nunca vão e chamam o Candomblé de ‘aquela coisa’. Mas quem tem culpa disso é o próprio pessoal da religião afrodescendente. A culpa do preconceito começa na gente. Você tem um filho e não quer que ele participe da religião, você é religioso e repete o que a igreja inventou há séculos, que Exu é o diabo. Você diz que Senhor do Bonfim é Oxalá, tudo isso é preconceito”, expressa, Marcelino.
A divergência de opinião sobre o sincretismo mostra o quanto o tema é polêmico. As raízes religiosas e culturais são colocadas em questão. Para Marcelino, o preconceito diminui ou fica menos camuflado quando você se impõe sem pisar em ninguém, mostrando suas raízes, preservando sua cultura, papel que ele diz desenvolver na cidade.

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