sábado, 26 de abril de 2008

Creche Escola Ana Néri: o verdadeiro lar das crianças

MATÉRIA

Maiane Matos

O dia dos pequeninos da Creche Escola Ana Néri começa cedo. O sol nem brilhou direito e lá vão eles a caminho do seu segundo lar. Chegam entre 07h30min e 08h00min e seguem direto para o refeitório a fim de realizar a primeira ação do dia: tomar café.

O espaço é grande e comporta todas as crianças. Logo na entrada, frases de boas vindas como “Meu coração... bate feliz... quando te ver” e de fé “Crianças sorriso de Deus”, recebem a todos, mostrando o quão grande é a alegria que sentem em estar ali. Logo as mesas e cadeiras começam a ser ocupadas, e o local começa a ganhar vida.

A oração vem logo em seguida. As crianças aprendem a respeitar, a dar valor e agradecer a Deus pelo alimento.

Terminado o café eles caminham por um corredor, um pouco escuro iluminado apenas pelas réstias do sol vindas da área de circulação, em direção as suas respectivas salas de aula para fazer a higiene bucal e trocar de roupa, ou seja, vestir a farda.

Na primeira sala fica a turma da alfa 2 com crianças entre 3 e 6 anos, sob a responsabilidade da professora Joseane Lema Gonçalves, 35 anos. “Aqui é um ambiente de amor, aqui eu me revigoro, eu aprendo o que é ser humano”, afirma Joseane com os olhos brilhando de satisfação por trabalhar neste local.

Após a sala, logo em seguida separada apenas por uma parede, fica a turma da alfa 1, ocupada por crianças da mesma faixa etária que a anterior. O ambiente é decorado com diversos temas infantis e bastante colorido. Cada objeto daquele lugar tem algo de educativo. As crianças aprendem brincando.

Mais a frente fica a área de recreação, onde as crianças rompem as paredes das salas e se misturam para serem, efetivamente, crianças. Ali eles se divertem, brincam, pulam, choram e cantam. “Como são pequeninos, as vezes um bate no outro, morde. Aí a gente diz que está errado e pede para pedir desculpas ao outro”, diz a professora Maria do Socorro P. Amazonas, 41 anos, e trabalha na creche há sete anos.

Preenchendo as laterais desse espaço, encontramos a área de serviço, onde são lavadas as roupas das crianças, mais três salas de aula, sendo que uma antigamente fora o dormitório o qual teve que ser suprimido pelo aumento do número de crianças, e os banheiros, um de meninos e outro de meninas.

Desde cedo eles já aprendem fazer essa distinção, seja com as cores, na hora da fila para o banho ou para se organizarem entre eles.

A Creche Escola Ana Néri acolhe crianças de todas as classes, cor ou idade. Porém a maioria delas é de classe baixa e têm alguns que são quase miseráveis. Segundo a diretora Luciane Norma B. Brito de Freitas, os pais deixam seus filhos no local por que muitos não possuem renda fixa para sustentar a família. Outros ainda só possuem a renda da bolsa escola que recebem do governo e alguns deixam seus filhos por causa do trabalho desenvolvido pela creche. “Algumas mães são voluntárias aqui e algumas falam que aqui elas trocam o serviço por alimentação, tanto delas como dos filhos”, acrescenta a diretora.

A creche é um núcleo de uma grande instituição, a O.A.P.C. (Órgão Assistência Paroquial de Cachoeira). O Órgão ainda possui outros núcleos, como o restaurante Rabbani, a Rádio Comunitária Magnífica FM sob a direção do padre Hélio Vilas Boas. A obra de assistência tem 54 anos de ação na cidade e há aproximadamente três anos, foi criada a creche Ana Néri.

Hora das atividades. As crianças exercitam o que aprenderam e aprendem coisas novas. Entre uma música e outra, uma novidade, mais uma letra do alfabeto, mais um número a ser gravado. Após as tarefas, é chegada a hora mais gostosa do dia: o lanche.

Ao longe já se vê uma bandeja vindo repleta de pedaços de melancia todos cortados, aparentemente, do mesmo tamanho. Enquanto a merenda não chegava os pequenos corriam chamando a atenção dos adultos. Os olhares são significativos, marcantes e querem sempre dizer alguma coisa.

_ Quero fazer chichi!

Esse foi o pedido de Eduarda à professora, após um longo e fixo olhar.

_ Chegou o lanche!

Assim exclamou uma das merendeiras que ia distribuindo a fruta e cantando com eles. Sentados em uma esteira de palha, iam se lambuzando com a melancia. Engraçado que um deles arrastou para fora da sala o cesto de lixo a fim de jogarem os caroços da fruta. E assim fizeram.

Dentro da bandeja sobrara um único pedaço de melancia, e no meio da esteira repleta de crianças, estava uma que não havia recebido a merenda. Era Carol, irmã gêmea de Carine, que ao pegar seu lanche compartilhou um sorriso de satisfação com a irmã.

“Nós ensinamos a eles a valorizar a merenda, trabalhamos muito nisso. A resposta é positiva, chegam a ensinar os pais em casa”, comenta a professora Maria do Socorro.

Após o lanche eles voltam a fazer as suas atividades, almoçam, descansam, assistem vídeos educativos, lancham novamente até chegar a hora do banho. São 15h30min da tarde e em instantes a fila para o banho é formada. Meninas de um lado e meninos do outro, primeiro as damas.

“Minha mãe já vem, daqui a pouco vou “tomá” banho”, balbucia Jackson de apenas três anos de idade. O momento do banho é conhecido por eles como “daqui a pouco minha mãe vem”, e de muitas crianças essa frase é ouvida.

A carência afetiva desses pequenos é muito grande e explícita. A professora Joseane já passou por situações que quase o fizeram chorar. Há alguns dias atrás, ela contou, um de seus alunos o agradeceu. Sem entender o agradecimento, ela perguntou para ele porque estava fazendo aquilo.

A criança não soube responder e o agradeceu novamente com gestos carinhosos e abraços. “Eles não sabem dizer “eu te amo”, não tem costume de ouvir, também. Daí eles agradecem. Eu sinto uma emoção muito grande com isso”, completa.

A “pró” Maria do Socorro se emociona ao falar dessa carência. Por alguns segundos, lágrimas molharam o seu rosto e mesmo com a voz trêmula, explicou: “aqui elas encontram carinho e muitas vezes choram para não ir embora”.

Do banho para a sala trocar a roupa. Cada menino e menina possue uma sacola, feita de camin, com o seu nome escrito para guardar as roupas. Eles, sacola azul, elas vermelha. Todos sentados, despidos, aguardam a chamada da professora para serem vestidos; de um lado eles do outro elas, sempre.

“Foi mamãe que complou, eu tô vestindo pla ela, né?” Falou Everlan de três anos, ao ouvir comentar que sua roupa era bonita.

Enquanto se vestiam, algumas mesas estavam sendo colocadas na área de recreação. Chegara a hora do lanche final, e a hora de ir embora também estava chegando.

Os maiores já estavam formando as filas em direção ao refeitório e os menores ocupavam as pequeninas mesas da área de recreação.

A espera era ansiosa. Lá vinham as merendeiras carregando um grande caldeirão de sopa que, ao passar pelo corredor, exalava um cheiro de dar água na boca. A inquietação aumentava.

Sorrisos, gritos, mesas cheias. Mesmo assim ao olhar para o lado, algumas crianças estavam sentadas sozinhas, pareciam até estar refletindo sobre a vida. O que deviam estar pensando?

Para os professores, o ambiente da creche é de mútuo aprendizado. Mesmo quietas, pensando do jeito delas, as crianças os ensinam, os surpreende.

Um repentino grito chama a atenção de todos.

_ Quem quer sopa?

E elas gritaram eufóricas.

_ Eeeeeu!

Em poucos minutos os pratos plásticos verdes e azuis, foram preenchidos. A diretora começa a oração e juntos, cantaram:

_ “Ao Senhor agradecemos, aleluia;

O alimento que temos aleluia;

O alimento que temos”

“A gente tenta fazer a diferença, tentamos ser uma creche lar e não uma creche escola”, indaga a diretora.

A Creche Escola Ana Néri vive, praticamente de doações. Ela possui um convênio com a prefeitura de Cachoeira, que encaminha professores para lecionar no local, recebe ajuda, na alimentação das crianças, do restaurante Rabbani, além de possuir padrinhos, admiradores e colaboradores, os quais ajudam no bom funcionamento da creche.

Algumas situações desagradáveis, relacionadas a alunos e pais, já foram vividas na creche. Alguns pais, por motivos precipitados, já tiraram seus filhos do ambiente, porém, voltaram atrás com a atitude. Professores já sofreram com mentiras contadas pelas crianças, aos pais, mas nada desanimou o trabalho desses profissionais.

Cada criança é chamada pelo seu nome. Todos conhecem todos. Entre cantos, orações e muita alegria, eles vão se despedindo, os pais os aguardam do lado de fora. E assim foi encerrado mais um dia dessas crianças que, com certeza, voltarão amanhã para repetir tudo, mais uma vez.

Um comentário:

Kátia disse...

A creche Ana Neri foi para mim um aprendizado muito significante, passei apenas vinte dias com as crianças e professores e pude sentir o gostinho de ser uma educadora, de fazer a diferença na vida de uma criança. Toda a equipe apoiou tanto a mim quanto a minha dupla a fazer o melhor trabalho.E agradeço a todos vocês que se lembram da gente e colaboraram para mais uma etapa da nossa vida!!!
Kátia e minha dupla, Naldo.