quinta-feira, 8 de maio de 2008

A terra em que se planta ninguém dá

Matéria editada

Moradores de comunidades temem ser despejados de terras da UFRB após meio século de ocupação

Ted Sampaio
João Pedro Prado

Expressões fortes, rosto marcado pelo sol de anos de trabalho na roça, olhar abatido escondido por um chapéu de couro que deixa escapar fios de cabelos brancos que ainda lhe restam, bengala na mão para auxiliar o movimento debilitado das pernas e a preocupação de ter que deixar sua casa e seu trabalho a essa altura da vida. Esse é Antônio Bastos, 79 anos, conhecido como Seu Antônio, morador da Sapucaia, um bairro que se formou dentro dos limites do campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Cruz das Almas.
Quando criança, por volta dos 13 anos, Seu Antônio chegou à Sapucaia. Cerca de 15 casas existiam no local. Hoje, mais ou menos 400 famílias moram nas cercanias do campus, somando cerca de 3.400 habitantes. Os maiores povoados da região são: a Linha, que, segundo moradores, passa por uma situação precária, e a Sapucaia, mais bem estruturada, já considerada um bairro de Cruz das Almas. Ruas calçadas, padarias, bares e mercearias funcionam na localidade que abriga pequenos agricultores e comerciantes.
Seu Antonio mora com a esposa e três filhos, sustenta a casa sozinho através do trabalho na roça, onde cultiva feijão e mandioca para sua subsistência. Além disso, recebe uma aposentadoria que, segundo ele, não é suficiente para as demais despesas.

O espaço do campus é de 1.600 hectares. Anda-se pouco mais de um quilômetro através de uma estrada asfaltada e logo avista-se um círculo com as letras UFRB. A imagem logo é sobreposta pelo prédio central, cuja arquitetura antiga traz consigo características coloniais.
MANIFESTAÇÃO: Por volta das 9h do dia 16 de abril, o clima de apreensão, os murmurinhos, a tensão pela expectativa da possível ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pairava no campus da UFRB. Mas nada de especial, até aquele momento, tinha acontecido. Para a pauta não cair, estávamos dispostos a ir ao bairro Sapucaia e cercanias. Tínhamos pensado em pedir um veículo da Universidade para nos levar nessas localidades. Depois de subirmos e descermos escadas, estávamos na sala da Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (Propaae). Eram 9h23min. Atentamo-nos para a exatidão do horário porque naquele momento entrou uma mulher, morena, de mais ou menos 1m70cm, que parecia trabalhar na instituição. Ela informou: “os sem terra estão chegando”. “Beleza, a pauta não caiu”, falamos, com certa hesitação. Naquele momento a garota que nos atendia, simpática, respondeu sem hesitar: “fecha tudo”.
Pela janela via-se um grupo de pessoas em marcha. Traziam uma faixa que dizia: “UFRB – Pertencemos à mesma tribo, vivemos sobre o mesmo teto, somos sociedade e queremos diálogo aberto”. Eram cerca de 40 pessoas, a maioria homens da lavoura, aparentavam, quase todos, mais de 50 anos, feições graves, olhos cansados, chapéus ou bonés na cabeça.
PROJETO - O estudante de engenharia agrônoma Hélio Gomes critica a falta de programas de pesquisa e extensão dentro da Universidade e atenta para o fato de ter, dentro da própria instituição, o Projeto Volta à Terra, que já existe há 18 anos e hoje está à deriva a ponto da comunidade não poder produzir farinha porque falta um forno. O projeto surgiu em 1990, através do professor de engenharia agrônoma Eduardo Ramos. O senhor Sabino Bispo, de 59 anos, desempregado, é um dos trabalhadores de 40 famílias que dependem do programa. Sabino sai todos os dias, de porta em porta, vendendo hortaliças.
O reitor Paulo Gabriel Nacif afirma que a Universidade nunca reconheceu o Projeto Volta à Terra. “Este projeto nunca existiu, foi um professor que criou o projeto, colocou as pessoas para dentro e nunca sistematizou”, ressalta o reitor. Só neste último ano, o Volta à Terra foi devidamente reconhecido e institucionalizado.
Dona Justiniana da Conceição, uma mulher de pele negra e mãos calejadas pelo cabo da enxada, mora há 34 anos no povoado da Tabela e também faz parte do projeto Volta à Terra. Com uma voz tímida e baixa, que concorria com gritos e aplausos dos manifestantes ao lado, Dona Justiniana declarou: “É um projeto que ajuda as pessoas a comer, ajuda na agricultura de feijão, amendoim e mandioca para fazer farinha”.
Enquanto entrevistávamos Dona Justiniana, uma outra pessoa, entre os manifestantes, chamava a nossa atenção. Sua tez negra, cortada pelas rugas da idade, sobressaltava-se contrastando com seus olhos mareados que traziam um azul brilhante e muito bonito. Aposentado, esse senhor de voz cansada, que vive há 31 anos na Sapucaia, é seu Manuel Ramos Borges, 68 anos. Lá constituiu sua família, vive com a sua mulher, seus três filhos e cultiva para subsistência. Quando perguntado o que aconteceria se tivesse de deixar a Sapucaia, ele respondeu, com os olhos ainda mais mareados e com a voz agora quase rastejante: “Seria uma derrota para a gente. Estaria sem saída, sem moradia”.
SOLUÇÃO: Já era quase meio dia quando alguns representantes do MST, dos povoados, do projeto Volta à Terra e da universidade se reuniram com o objetivo de discutir uma solução para o problema. Com a ida do reitor a uma reunião em Brasília, quem representou a instituição foi o professor Geraldo Sampaio, que afirmou manter a palavra da Universidade e remarcou a reunião entre o reitor e os representantes dessas localidades para dois dias depois da manifestação.
Paulo Gabriel afirmou que a UFRB não vai colocar ninguém para fora e que essas histórias não passam de boatos. Ele concorda que a Universidade precisa do espaço que foi indevidamente ocupado por essas comunidades, mas que, juntos, procurarão uma saída menos prejudicial para ambos os lados.
O terreno reivindicado pelos integrantes do projeto Volta à Terra, entretanto, não está em negociação, segundo o reitor. “A idéia inicial é que essas pessoas ficassem neste espaço num processo de adaptação, gerando uma renda até que se conseguissem outras terras para serem assentados. Agora eles querem ser assentados lá, uma área extremamente estratégica para a UFRB. Além disso, a maior parte dos integrantes do Volta à Terra não se enquadraria ao programa de reforma agrária”, explica o reitor. E assim, o impasse continua.

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