quinta-feira, 8 de maio de 2008

O verdadeiro lar das crianças

Matéria editada

O singelo dia-a-dia da Creche Escola Ana Néri que emociona as professoras

Maiane Matos

O dia dos pequeninos da Creche Escola Ana Néri começa cedo. O sol nem brilhou direito e lá vão eles a caminho do seu segundo lar. Chegam pelas 7h30min e seguem direto para o refeitório para tomar café. O espaço é grande e comporta todas as crianças. Logo na entrada, frases de boas vindas. As mesas e cadeiras começam a ser ocupadas e o local ganha vida. A oração vem em seguida. Terminado o café, eles caminham por um corredor iluminado apenas pelas réstias do sol vindas da área de circulação. Todos seguem para as salas de aula para fazer a higiene bucal e vestir a farda.
Na primeira sala fica a turma da 'Alfa 2', com crianças entre 3 e 6 anos, sob a responsabilidade da professora Joseane Lema Gonçalves, 35 anos. “Aqui é um ambiente de amor, aqui eu me revigoro, eu aprendo o que é ser humano”, afirma Joseane, com os olhos brilhando de satisfação. Logo em seguida, fica a turma da 'Alfa 1', ocupada por crianças da mesma faixa etária que a anterior. O ambiente é decorado com diversos temas infantis e bastante colorido. Cada objeto tem algo de educativo. As crianças aprendem brincando.
Na área de recreação, as crianças se divertem, brincam, pulam, choram e cantam. “Como são pequeninos, às vezes um bate no outro, morde. Aí a gente diz que está errado e pede para pedir desculpas ao outro”, diz a professora Maria do Socorro Amazonas, 41 anos, sete deles na creche.
Preenchendo as laterais desse espaço, encontramos a área de serviço e mais três salas de aula. Uma delas, antigamente, servia de dormitório, que foi suprimido por causa do aumento do número de crianças. Mais adiante ainda existem os banheiros, um dos meninos e outro das meninas. A Creche acolhe crianças de todas as classes, cores ou idades. A maioria é de classe baixa. alguns de famílias quase miseráveis. Segundo a diretora Luciane Norma Brito de Freitas, os pais deixam os filhos no local porque muitos não possuem renda fixa para sustentar a família. Outros ainda, só possuem a renda da Bolsa Escola que recebem do governo. Há aqueles que deixam seus filhos por causa do trabalho desenvolvido pela creche. “Algumas mães são voluntárias e algumas falam que aqui elas trocam o serviço por alimentação, tanto delas como dos filhos”, acrescenta a diretora.
A creche, criada há três anos, é um núcleo da OAPC (Obra de Assistência Paroquial de Cachoeira), que ainda possui o restaurante Rabbuni, a Rádio Comunitária Magnificat FM, sob a direção do padre Hélio Vilas Boas. A obra de assistência tem 54 anos de ação na cidade.
HORA DAS ATIVIDADES - As crianças exercitam o que aprenderam e aprendem coisas novas. Entre uma música e outra, uma novidade, mais uma letra do alfabeto, mais um número. Após as tarefas, é chegada a hora do lanche. Ao longe, já se vê uma bandeja repleta de pedaços de melancia, todos cortados, aparentemente, do mesmo tamanho. Enquanto a merenda não chegava, os pequenos corriam chamando a atenção dos adultos. Os olhares são significativos, marcantes e querem sempre dizer alguma coisa. “Quero fazer xixi!”. Esse foi o pedido de Eduarda à professora, após um longo e fixo olhar. “Chegou o lanche!”, exclamou uma das merendeiras que ia distribuindo a fruta e cantando com eles. Sentados em uma esteira de palha, eles iam se lambuzando com a melancia.
Dentro da bandeja sobrou um único pedaço de melancia. No meio da esteira repleta de crianças, uma não havia recebido a merenda. Era Carol, irmã gêmea de Carine, que, ao pegar o seu lanche, compartilhou um sorriso de satisfação com a irmã. “Nós ensinamos a eles a valorizar a merenda. A resposta é positiva, eles chegam a ensinar os pais em casa”, comenta Maria.
Após o lanche, eles voltam a fazer as suas atividades, almoçam, descansam, assistem vídeos educativos, lancham novamente até chegar a hora do banho. São 15h30min da tarde e, em instantes, a fila para o banho é formada. Meninas de um lado e meninos do outro, primeiro as damas.
“Minha mãe já vem daqui a pouco, vou 'tomá' banho”, balbucia Jackson, de apenas três anos. A carência afetiva é muito grande e explícita. A professora Joseane já passou por situações que quase a fizeram chorar. Há alguns dias, sem entender o agradecimento de um aluno, ela perguntou por que estava fazendo aquilo. A criança não soube responder e o agradeceu novamente com gestos carinhosos e abraços. “Eles não sabem dizer 'eu te amo', não tem costume de ouvir, também. Daí eles agradecem. Eu sinto uma emoção muito grande com isso”, completa. A 'pró' Maria do Socorro se emociona ao falar dessa carência. Por alguns segundos, lágrimas molharam o seu rosto e, mesmo com a voz trêmula, explica: “aqui elas encontram carinho e muitas vezes choram para não ir embora”.
DESPEDIDA - Do banho para a sala trocar a roupa. Cada menino e menina possui uma sacola, feita de tecido TNT, com o seu nome escrito, para guardar as roupas. Todos sentados, despidos, aguardam a chamada da professora para serem vestidos. “Foi mamãe que complou, eu tô vestindo pla ela, né?”, falou Everlan, de três anos, ao ouvir comentar que sua roupa era bonita. Chegava a hora do lanche final. Lá vinham as merendeiras carregando um grande caldeirão de sopa que exalava um cheiro de dar água na boca.. Sorrisos, gritos, mesas cheias. Mesmo assim, ao olhar para o lado algumas crianças estavam sentadas sozinhas, pareciam até estar refletindo sobre a vida. Um repentino grito chama a atenção de todos. “Quem quer sopa?”. E elas gritaram, eufóricas: “Eeeeeu!”. Em poucos minutos, os pratos plásticos verdes e azuis foram preenchidos. A diretora começa uma oração e eles cantam. Cada criança é chamada pelo seu nome e eles vão se despedindo, os pais os aguardam do lado de fora. E assim é encerrado mais um dia dessas crianças que, com certeza, voltarão amanhã para repetir tudo, mais uma vez.

Nenhum comentário: