quinta-feira, 1 de maio de 2008

A terra em que se planta ninguém dá

Comunidades de posseiros temem serem despejadas de terras públicas após meio século de ocupação.


Por: Ted Sampaio e João Pedro Prado


Expressões fortes, rosto marcado pelo sol de anos de trabalho na roça, olhar abatido escondido por um chapéu de couro que deixa escapar fios de cabelos brancos que ainda lhe restam, bengala na mão para auxiliar o movimento debilitado das pernas e a preocupação de ter que deixar sua casa e seu trabalho a essa altura da vida. Este é Antônio Bastos, 79 anos, conhecido como Seu Antônio, morador da Sapucaia, um bairro que se formou dentro dos limites do Campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em Cruz das Almas.
Ainda quando criança, por volta dos 13 anos, quando chegou à Sapucaia, Seu Antônio diz que havia cerca de 15 casas. Estimativas indicam que hoje mais ou menos 400 famílias moram nas cercanias do campus, somando cerca de 3.400 habitantes. Os maiores povoados da região são: a Linha, que, segundo moradores, passa por uma situação precária, deficitária no que diz respeito às mínimas qualidades de vida, e a Sapucaia, mais bem estruturada, já considerada um bairro da cidade de Cruz das Almas. Ruas calçadas, padarias, bares e mercearias funcionam na localidade que abriga pequenos agricultores e comerciantes.
Morando com a esposa e três filhos, Seu Antônio sustenta a casa sozinho através do trabalho na roça, onde cultiva feijão e mandioca para sua subsistência. Também recebe uma aposentadoria que, segundo ele, não é suficiente para as demais despesas.
O espaço do Campus é enorme, cerca de 1.600 hectares. Anda-se pouco mais de um quilômetro através de uma estrada asfaltada e se avista, em primeira instância, um círculo com as letras UFRB, visão que é logo sobreposta pelo prédio central, cuja arquitetura antiga traz consigo características coloniais. O tamanho, as pilastras, a pompa, a quantidade de janelas.
Por volta das 9 horas do dia 16 de abril, o clima de apreensão, os murmurinhos, a tensão pela expectativa da possível ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pairava no campus da UFRB. Mas nada, até aquele momento, acontecera.
Para a pauta não cair estávamos disposto a ir ao bairro Sapucaia e cercanias. Solicitávamos um veículo da Universidade para nos levar a essas localidades. Depois de subirmos e descermos escadas, estávamos na sala da Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (PROPAE). Eram 9h23min. Atentamo-nos para a exatidão do horário porque naquele momento entrou uma mulher, morena, de mais ou menos 1m70cm, que parecia trabalhar na instituição. Ela informou: “os sem terra estão chegando”. “Beleza, a pauta não caiu”, falamos, com certa hesitação. Naquele momento a garota que nos atendia, simpática, respondeu sem hesitar: “fecha tudo”.
Pela janela via-se um grupo de pessoas em marcha. Traziam uma faixa onde era visível o seguinte dizer: “UFRB – Pertencemos à mesma tribo, vivemos sobre o mesmo teto, somos sociedade e queremos diálogo aberto”. Eram cerca de 40 pessoas, a maioria homens de lavoura, aparentavam, quase todos, mais de 50 anos, feições graves, olhos cansados, chapéus ou bonés na cabeça.
O drama vivido por Seu Antônio Bastos é vivido também por outro Antônio, dessa vez Antônio da Conceição, 49 anos, também morador da Sapucaia. “Tinha quase dez anos quando cheguei na Sapucaia com meu pai e meus cinco irmãos, aprendemos a lida da terra com ele. Hoje tenho quatro irmãos e todos eles também estão no terreno da Escola.O nosso medo é que de uma hora pra outra eles cheguem pra gente e falem ‘olha, desocupa aí, eu vou querer a área’”.
O estudante de Engenharia Agrônoma, Hélio Gomes, critica a falta de programas de pesquisa e extensão dentro da Universidade e atenta para o fato de ter, dentro da própria instituição, o Projeto Volta à Terra que já existe há 18 anos e hoje está à deriva ao ponto da comunidade não poder produzir farinha porque falta um forno.
O projeto Volta à Terra surgiu no ano de 1990, a partir de uma iniciativa da Universidade, na época Federal da Bahia, hoje Federal do Recôncavo da Bahia, através do professor de engenharia agrônoma Eduardo Ramos. O senhor Sabino Bispo, de 59 anos, desempregado, é um dos trabalhadores dependentes deste programa. Assim como ele, cerca de quarenta famílias dependem desse projeto. Sabino sai todos os dias, de porta em porta, vendendo hortaliças.
O reitor Paulo Gabriel Nacif, afirma que a universidade nunca reconheceu o Projeto Volta à Terra. “Este projeto nunca existiu, foi um professor que criou o projeto, colocou as pessoas para dentro e nunca sistematizou”. Só neste último ano o Volta à Terra foi devidamente reconhecido pela universidade e institucionalizado.
Dona Justiniana da Conceição, uma mulher de pele negra e mãos calejadas pelo cabo da enxada, mora a 34 anos no povoado da Tabela e também faz parte do projeto Volta à Terra. Com uma voz tímida e baixa que concorria com gritos e aplausos dos manifestantes ao lado, Dona Justiniana declara: “É um projeto que ajuda as pessoas a comer, ajuda na agricultura de feijão, amendoim e mandioca para fazer farinha”.
Enquanto entrevistávamos Dona Justiniana, nos chamou a atenção uma figura entre os manifestantes. Sua tez negra, cortada pelas rugas da idade, sobressaltava-se. Seus olhos mareados traziam um azul tão bonito. Aposentado, esse senhor de voz cansada que vive a 31 anos na Sapucaia é seu Manuel Ramos Borges, 68 anos. Lá constituiu sua família, vive com sua mulher, seus três filhos e cultiva para subsistência. Quando perguntado o que aconteceria se tivesse de deixar a Sapucaia, ele respondeu, com os olhos ainda mais mareados e com a voz agora quase rastejante: “Seria uma derrota para a gente, estaria sem saída, sem moradia”.
Já era quase meio dia quando alguns representantes do MST, dos povoados, do projeto Volta à Terra e da Universidade se reuniram com o objetivo de discutir uma solução para o problema. Com a ida do reitor para uma reunião em Brasília, quem representou a instituição foi o professor Geraldo Sampaio, que afirmou manter a palavra da Universidade e remarcou a reunião entre o Reitor e os representantes dessas localidades para dois dias depois da manifestação.
Paulo Gabriel afirmou que a universidade não vai colocar ninguém para fora e que essas histórias não passam de boatos. Ele concorda que a universidade precisa do espaço que foi indevidamente ocupado por essas comunidades, mas que juntos procurarão a saídas menos prejudiciais para ambos os lados.
O terreno reivindicado pelos integrantes do Projeto Volta à Terra, entretanto, não está em negociação, segundo o reitor. “A idéia inicial é que essas pessoas ficassem neste espaço num processo de adaptação, gerando uma renda até que se conseguisse outras terras para eles serem assentados. O problema é que agora eles querem ser assentados lá, que é uma área extremamente estratégica para a universidade”. Outro fator apontado pelo reitor é que a maior parte dos integrantes do Volta à Terra não se enquadraria ao programa de reforma agrária.

2 comentários:

Maiane Matos disse...

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Maiane Matos disse...
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