quinta-feira, 8 de maio de 2008

O contador de charadas

Humor e sabedoria nas palavras de Seu Josuel, o agricultor de Capoeiruçu

Ana Clara Barros

Mesmo com todas as dificuldades da vida, a diversão de Josuel Batista Santana é contar charadas. Ele é um senhor de 74 anos, que planta mandioca, milho, feijão. Não vende, só planta para comer. É aposentado e comercializa outras coisas, como diz o anúncio das placas penduradas nas grades pretas em frente à sua casa: carvão e geladinho a R$ 0,20.
Senhor simples, todos da sua rua o conhecem. Foi através dos vizinhos que fiquei sabendo onde Josuel residia. Quando cheguei próximo ao Posto de Saúde de Capoeiruçu, um vizinho me disse o local exato:
– Ele mora naquela casa que tem uma árvore redonda em frente.
A frente da casa é cimentada, com uma grande inclinação. A árvore é um pé de murta, como me disse depois a esposa de Seu Josuel, Vardelice Noberta da Conceição, de 63 anos. As paredes da casa, de cor verde-cana, são texturizadas, trabalho feito pelo filho. Antes da casa há uma estreita varanda, recoberta com azulejos marrons, onde fica a mesa redonda de plástico, coberta por uma toalha branca de renda e um jarro com flores artificiais azuis.
Nas cadeiras brancas de plástico nos sentamos, Seu Josuel e eu. Vardelice ficou em pé, ao lado do marido. Era visível a timidez de ambos. Pareciam descrentes. Expliquei a eles minha missão ali. Logo Seu Josuel me fala a primeira charada do dia:
– O que você compra pra comer e não come?
Depois de um tempo pensando, não vem nenhuma resposta na cabeça. Ele simplesmente responde:
– Pratos!
Sorrio e ele demonstra estar mais à vontade. A mulher se diz impressionada, pois todos os dias ele chega com charadas novas.
Fico admirada com a criatividade de um homem que só fez o ensino básico, pois, como disse, não se adaptou ao Mobral. Seu Josuel tem seis filhos, agora são cinco, um já morreu. A conta dos netos ele já perdeu, mas Vardelice responde firme: são 13.
Peço a ele para dizer mais charadas, ele não hesita e pergunta:
– Um rapaz nasceu em São Paulo, cresceu no Rio de Janeiro e morreu na Bahia. O que ele é?
Penso e penso. Digo que não sei. Ele responde:
– Finado!
Sem dar uma pausa, ele conta outra:
– O que é que já nasce pra ser torto, se encobre todo de morto para buscar quem está vivo?
Ele logo responde:
– Anzol.
Pergunto para Seu Josuel o que ele acha do caso da menina Isabella. Seu Josuel diz que é uma barbaridade, mas quem fica indignada é a sua mulher. Vardelice afirma veemente que o pai e a madrasta mataram a menina. Ela diz não acompanhar diariamente o relato das notícias. O único programa que ela não perde é a novela de Juvenal Antena.
Vardelice diz que o marido vira um papagaio quando toma duas doses de pinga. Seu Josuel sorri. Um sorriso que mais parece de criança, o que contradiz a sua aparência. A careca no centro da cabeça e o rareamento do cabelo nas laterais denunciam a sua idade. Mas é um senhor conservado, com poucas rugas, privilégio de ser negro. Os dentes são pouco amarelados e intactos, denunciando uma dentadura. O nariz é pouco achatado, as bochechas são salientes e os lábios finos. Só quando me aproximo percebo que ele tem os olhos azuis, contrastando com o tom da pele.
É franzino, julgo-o ser assim devido o trabalho pesado. As mãos são grandes, grossas, cheias de calos. Na ocasião, usava 'roupas normais de ficar em casa', mas se alguém o ver na rua, com certeza, ele estará trajando sua calça de tecido e sua camisa fina, três quartos. Sem cansar, ele faz mais charadas:
– Quando você está com 15 anos, vai passar para onde?
E responde:
– Para 16.
Mais outra:
– Por que você acha que no Brasil faz frio?
Não mais espera e responde:
– Porque ele foi descoberto.
Seu Josuel tem uma graça especial. Com sua simpatia, conquista e faz amizades com todos. É um prazer vê-lo recitando as charadas de sua própria criação. É um bom exemplo.

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