quinta-feira, 8 de maio de 2008

E agora, José?

Matéria Editada

A História de José Carlos Pereira dos Santos: vivo para nós e morto para a justiça

Elton Vitor Coutinho

Era por volta das cinco horas da tarde. O sol já procurava o poente para que a noite caísse sobre a cidade da Cachoeira. Numa humilde casa rosa, encontrava-se José Carlos Pereira dos Santos, de 40 anos, a se lamentar.
A porta estava entreaberta. Empurrei mais um pouco para visualizar melhor quem estava no interior daquela casa.
Perguntei em tom vocativo:
– José Carlos?
Sentado sobre dois colchões, em mau aspecto, que servia também como sofá, o próprio me atendeu. Sua voz arrastada mais parecia a de um peão cansado da obra. A sua pele negra e enrugada e o seu olhar assustado compunham uma única face.
Mesmo me vendo pela primeira vez, nem perguntou o meu nome. Pediu que eu adentrasse. Entrei e me identifiquei. Falei o motivo da minha visita. Os seus olhos castanhos me olhavam como os de um adolescente que vê no futuro uma esperança. Puxei a cadeira e, com um bloquinho de notas, fui escrevendo a história de José Carlos Pereira dos Santos, que você, leitor, passará a conhecer a partir de agora.
VIDA - Nascido em Governador Valadares, Minas Gerais, José Carlos é pintor e jardineiro. Reside, há 22 anos, na cidade da Cachoeira. Tem uma casinha no bairro do Caquende.
Trabalha como voluntário no Colégio Estadual da Cachoeira pela manhã. À tarde, retorna para suas companheiras domésticas: um televisor em preto e branco de dez polegadas, uma estante de ferro lilás, uma mesa e três cadeiras, um espelho quebrado, algumas camisas penduradas no prego, panelas amassadas e só.
Ele não tem nenhum parente em Cachoeira. O seu pai já é falecido e os outros parentes permaneceram em Minas Gerais, enquanto ele veio para a Bahia tentar melhores condições de vida. Porém, de melhor, nada encontrou.
MORTE? - Aos 18 anos, José Carlos tirou os seus documentos em Belém da Cachoeira, cidade próxima à Cachoeira. Aos 36, perdeu o RG, CPF, Carteira de Reservista e a Certidão de Nascimento. Até hoje não entende onde e como isso aconteceu.
José Carlos foi ao cartório para tirar a Certidão de Nascimento e assim fazer os outros documentos perdidos. Porém, ele se deparou com uma situação que jamais imaginaria passar. No lugar da Certidão de Nascimento, recebeu um Atestado de Óbito.
Os casos de homônimos no Brasil estão mais constantes. O caso de José Carlos Pereira dos Santos é apenas mais um. É também mais um dos descasos que o cidadão brasileiro passa por, talvez, ser de família de baixa renda.
Desde 2004, José é tido como falecido. A sua reação foi de desespero. A primeira pergunta, até então sem resposta, que apareceu em sua mente foi: “como isso pôde acontecer?”. A única saída era ir ao Fórum de Cachoeira e procurar um advogado. “Como um semi-analfabeto, sem nenhum parente para orientar, poderá arrumar um advogado?”. Essa foi a sua segunda indagação.
Como não tinha condições de pagar um advogado particular, lhe indicaram a defensoria pública da cidade. “Entreguei a certidão para o secretário do promotor e até hoje ele não me devolveu”, informa Pereira.
Há dois anos o caso está na justiça e, até hoje, nenhuma resposta. “Vou lá no fórum direto. Às vezes, o promotor nem me atende e quando atende diz que está tentando me ressuscitar”, afirma.
Sustentado pelos “irmãos” da Igreja Batista da qual faz parte, Pereira vai levando a vida sem emprego, sem família, “sem lenço e sem documento”.
Mais uma tarde no fórum, e nada. Outra conversa com o promotor, e nada. Seis meses depois que tirou as digitais para a perícia, e nada. “E agora, José?”.
Quase dois anos já se passaram. O homônimo trabalha sem remuneração. Sente cansaço constante, mas não pode ir ao médico. Todos requerem os documentos necessários, dignos de todo cidadão. “Eu preciso que a justiça tome uma providência, que olhe os meus direitos, os direitos do ser humano”, clama Pereira.
As ruas da cidade não mais lhe distraem. “Tenho medo de sair na rua. Já pensou a polícia me pegar sem documento, me perguntar o que eu faço e eu responder: nada. Vai dizer que sou um marginal”, desabafa.
Essa é a vida que José Carlos Pereira dos Santos leva há um bom tempo. Muito parece com o “José”, de Drummond. A única diferença entre os dois é que Drummond disse: “Mas você não morre, você é duro, José” e o José, que acabei de apresentar, morreu mesmo estando vivo.

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