quarta-feira, 14 de maio de 2008

Loucura

Uma porção de palitos de fósforos usados é o que sempre lhe cabe entre as mãos sujas. Unhas encardidas pela longa seqüência de dias sem se tomar banho. A barba comprida tal como a de um sábio profeta do oriente e branca pelo passar dos anos, traz consigo um tom desgastado, amarelado pela incidência direta do sol ao seu rosto. As verrugas, logo abaixo dos olhos vermelhos, estampadas como carimbos de sofrimento, loucura e tragédia, parecem marcar território, estão ali para mostrar que o tempo agiu, o corpo não agüentou e a cabeça ruiu. Os pés sempre descalços, sujos de lama, arrastam um corpo doente, abandonado. O corpo da esquina, o louco da calçada.
A vida não é mesmo fácil. Existem pessoas que reclamam de tudo. Acham a vida um saco. O ‘doido’ é uma figura conhecida em Cachoeira. Sentado nas calçadas do centro da cidade, essa figura lendária e quase emblemática, ilustra o cotidiano. As pessoas devem sentir falta dele nos dias em que não aparece na rua, afinal, terão um obstáculo a menos para se desviar.
Sempre conversando sozinho, falando com sigo mesmo, nosso personagem, possivelmente tenha encontrado um método de se livrar das farpas e setas malignas, proferidas por muitos em sua direção. Principalmente os meninos do Colégio Estadual da Cachoeira, que não deixam o ‘doido’ em paz. Pisam nos seus pés, falam palavrões, comentam sobre seu mau cheiro, suas roupas sujas. Mas ele não se incomoda, prefere conversar com as paredes, com seus palitos, com seus pés, com o ‘louco’. Seu trajeto é bastante curto, da esquina da ótica Paraguaçu ao passeio dos Correios, chegando ao Bradesco e por fim, recolhendo-se no passeio da igreja que fica ao lado da Santa Casa de Misericórdia, sempre a passos lentos e tortos.
‘Dizem por ai que eu é que sou o louco, prefiro mesmo ser o ‘louco’; o passeio é um grande amigo e parceiro, assim posso ver a vida por baixo. Ver as pessoas por um ângulo diferente; comentam por ai que o poder corrompe... sei lá, o que era mesmo que estava pensando? Ah, lembrei!? Os políticos comem porcaria do chão, bebem a água contaminada das latrinas das prefeituras, mas o que isso tem haver com esses palitos? Isso é uma grande bosta, hei você ai? Vai tomar no [*&¨%@3]...você é um corno! Por que ta me olhando? Sua mãe é uma égua, ha! ha! há! Rssss...’
- Rapaz, você não ta bem hoje, já comeu alguma coisa? Veja se tem alguma sobra de comida em algum lugar, vai logo...
[comenta um dos seus palitos de fósforos]
- Desde quando palito queimado sente fome? Você ta querendo me ganhar. Cala essa boca e escuta o regae.
[responde o ‘louco’]
- To dizendo uma coisa séria, você precisa comer senão vai morrer de fome.
[fósforo]
- Não enche o saco, você quer é comer de graça. Cala essa boca e trate de me deixar em paz!
[louco]
- Ta bom
[retruca o palito em voz baixa]
- Me deu uma fome, vou ver se tem alguma sobra de comida em algum lugar.
[louco]
- Sai da frente sua maluca! Não vê que esse passeio é meu? E você ai... para de cuspir no chão, deixe de ser porca. Sua vaca.
[louco]
-Cala a boca ‘seu louco’
[uma voz ao fundo resmunga]

Um comentário:

Leandro Colling disse...

mais um belo texto, apenas alguns probleminhas em vírgulas e um erro mais grave: com sigo ao invés de consigo