sexta-feira, 16 de maio de 2008

Paisagem da janela

Rua Dorival Cantonelli, passagem principal de casais de namorados do bairro Perdizes. Noite, debruçado sobre a janela a perceber a lua, mas sem contempla-la mantinha-me atento ao som que a pouco tinha colocado na vitrola. Um vinil velho, coletânea de antigos, Pixinguinha, Cartola, Noel, Moreira da Silva, a nata do samba carioca do inicio do século.
Ainda escutava o grave do vinil entoar uma canção melódica, quando, distante em olhar parei em dois transeuntes que ao longe apresentavam-se pequenos, no escuro pareciam sorrir, brincar. Vinham lado a lado mas não tinham as mãos dadas, o que me impedia de tirar conclusões mais precisas, mas se ali não existia romance havia potencial. Pareciam dançar em meio a calçada desarrumada, seus passos coreografados mantinham um seriedade obtusa e calma, mas seus rostos continuavam austeros.
Ao se aproximarem concluí que realmente eram baixos, o rapaz um pouco mais alto cultivava uma postura militar, embora o ombro um pouco curvado, tentava olhar a todo momento a menina, que não parava de sorrir. Menina de olhos brilhosos, de nariz pequeno e arredondado, cabelos macios que sorrateiramente o rapaz alisava de vez em vez por alguma coisa que ela falava, parecia até um código.
De cima o amor era mais bonito, o canto dos pássaros entoavam as cantigas de ninar, de cima a noite era mais escura, a lua era mais incandescente, e o casal era mais casal.
O garoto da casa ao lado saiu no portão com uma bola, pulou, chutou, gritou gol. Desejou-me boa noite, depois de ter praguejado pela bola que caiu no quintal da casa da frente, e entrou.
Um adolescente devaneava pela calçada, parecia pensar na criança que fora um dia, no quanto o bairro crescera, no quanto envelhecera mesmo que adolescente. Tinha medo do tempo, tinha medo do fim, e promovia um dialogo consigo, respondia-se a suas perguntas, e parecia ficar cada vez mais com dúvidas. Sorriu quando me notou na janela, logo acima. Respondi com um sorriso recíproco, e concluí que aquele fora o diálogo mais grandeloquente que havia tido em toda minha vida.
Um cachorro passou, solitário parecia cansado, seu aspecto sujo deixava-o vagabundo mas astuto, colocava o focinho no chão procurando não sei o quê. Quando passou eu já havia secado a garrafa de uísque, atirei a tampa contra ele, não se abalou, permaneceu na mesma toada, deu umas duas farejadas mais consistentes no caminho, nada lhe chamou atenção, e dobrou a esquina.
Nessa mesma noite outros casais passaram, não mais brincaram de bola na frente de minha casa, não mais vi em minha vida outro cão tão perspicaz quanto o daquela noite e até hoje procuro o menino sorrateiro que soliloqueava descendo a Rua Dorival Cantonelli. Consegui secar litros de uísques, ouvi por três vezes as músicas da coletânea e olhei sem muita atenção, da sacada de minha casa, a lua.
por: João Pedro Prado

Um comentário:

Leandro Colling disse...

muito bom, só faltam algumas vírgulas e acentos.
outra coisa: escreveu som que a pouco tinha. dá idéia de tempo, então, é há.