segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Fotografando no tempo

Lise Lobo

No Mercado Municipal, a mistura é predominante, os sons surgem de todas as partes, os cheiros exalam e mudam o tempo inteiro. De um lado, o cheiro sinaliza a chegada do almoço, do outro, onde ficam as carnes, o cheiro é forte e desagradável. Só os cachorros, próximos dos balcões com cara de pidão, parecem se sentir a vontade. No primeiro andar, a variedade de galerias é grande, mas a “Foto Valter” chama minha atenção.
Rostos diferentes estampam o vidro da galeria de seu Valter Evangelista. Fotos desbotadas pelo tempo não escondem os 50 anos de profissão do fotógrafo. Ele traja calça social acinzentada, típicas de senhores de idade, blusa pólo pêssego, alpercata talvez de couro. No seu rosto já se notam as marcas do tempo, 78 anos bem visíveis, rugas acentuadas que escondem o que ele já foi anos atrás. Seus cabelos grisalhos e com certa calvície contrastam com sua pele morena. Os óculos, de armação arcaica, nada discreta, parecem pesar no rosto. Sentado no interior do seu estabelecimento, espera, com expressão cansada, a chegada de algum cliente. A decoração de sua galeria contrasta dois tempos a partir da heterogeneidade de móveis antigos e novos, fotos antigas e novas. Na fachada, o mostruário de fotos amareladas faz qualquer um viajar no tempo. Fotos de primeira comunhão, 3 por 4, perfil e vários retratos de casamento, que nos transportam para a moda talvez dos anos 80, com vestidos de manga bufante. No interior três retratos emoldurados presos na parede de cor amarela parecem bem atuais, assim como os dois porta-retratos da mesa. Um espelho preso na parede me reporta para a historinha infantil de Branca de Neve. “Espelho, espelho meu”, é muito parecido, só a cor que muda, pois é amarela, cor que predomina por toda galeria. A mesa de centro amarela, que fica abaixo do espelho, carrega algumas revistas e um jarro vazio que parece deslocado do cenário, quebrando todo tom amarelado bege com seu colorido vibrante. A mesa maior central, que parece nova e de cor amarela, além dos porta-retratos, possui porta caneta e alguns papéis como também alguns utensílios de decoração. O espaço é pequeno, mas a pouca quantidade de móveis deixa o local mais amplo. Uma cortina bege separa o recinto. Atrás dela, certamente deve estar o seu estúdio, local de seus registros fotográficos. A curiosidade invade minha mente. Mesmo que exista uma barreira, tento imaginar o seu interior. Chega o horário de fechar, seu Valter pega uma bolsa preta, talvez carregue sua câmera, arruma alguns papéis na mesa e sai da galeria, fecha a porta de correr de metal e vai embora. Deve retornar pela tarde, para mais uma espera constante.

Um comentário:

Leandro Colling disse...

muito bom, boa observação