sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O mercado do bagaço da laranja

Hamurabi Dias

O samba começa a tocar, o som contagia. Espalhados pelo chão, grandes sacos de farinha branca como a neve. Do outro lado, os balcões de carne, vermelho, sangue, couro, carnes expostas, penduradas por um arame. O samba não pára e o barulho das conversas se misturam ao som dos passos, vozes embargadas, vozes firmes, passos lentos, ritmados levados pela música. Pretos, brancos, idosos, jovens, passeiam quase que ofegantes em mais um dia no mercado. Já são dez horas e o calor matinal entra pelo meio do lugar, como se abrisse uma brecha, mostrando que é hora de trabalhar, de circular pelo local. As pessoas páram, descansam, outras escrevem, eu escrevo também e, de repente, vem o cheiro das carnes, um aroma abafado, seco. Também sinto o cheiro da farinha, um cheiro rural de raízes, são muitas dispostas pelo chão, à mostra da freguesia, que observa, prova, recua e sai. Balbuciam o samba, despertam a preguiça, e a música continua tocando sem parar e se combinam com as tonalidades das pessoas, dos objetos, das comidas. É o negro do vendedor, com o branco da farinha, o amarelo do lugar com o chão acinzentado em que as pessoas andam, param, recuam e saem novamente. O som continua, me atrapalha. Tento adivinhar de onde vem. Descubro. Vem do andar de cima. Lá não tem o cheiro de carne, de farinha, não tem o velho barbudo preocupado, fazendo as suas contas, têm mesas plasticas, coloridas, leves, quadradas, cadeiras, restaurantes, e o samba continua, agora mais de perto e vem de uma loja pequena e apertada por dentro, deve trabalhar só uma pessoa que vende CDs e DVDs de rock, em sua maioria. Black Sabbath, Aerosmith dividem o mesmo espaço com o samba que toca insistentemente, é diversidade de cores, de sons. De cima dá para observar pessoas que caminham em seu rumo, correm para lá e para cá, no chão acinzentado, sujo de sangue, mais parece um abatedouro, se já não é. Saio com frase que ficou em minha cabeça desde a metade desse texto: “sobrou pra mim o bagaço da laranja”.

5 comentários:

Leandro Colling disse...

muito bom, só não tem descrição de pessoas.

Daiane Dória disse...

gostei muito Hamurabi. a descrição da mistura das cores que tem o mercado ficou ótima dando pra formar uma imagem bem interessante do lugar.

LoH Souza. disse...

Gostei.Descreve bem o local. Fala das cores do cheiro e quando mistura a ideia do son deixa mais claro que o lugar onde se passa é em um mercado...

LoH Souza. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mariana Monte disse...

O texto de Hamurabi ficou bem legal, bem literário. Apesar dele não descrever com muita precisão, até pelo fato de ser um lugar muito grande, dá pra imaginar bem o que ele quer passar e "sentir", de certo modo, o ambiente em questão.