quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ali tem de tudo um pouco

Camila Moreira

Carne salgada de todos os tipos, penduradas no alto e empilhadas em cima do balcão. Pilhas de diferentes alturas e tons em vermelho denotam a variedade. Charques, tocinho de porco, peixe mapará, tudo em cima do balcão forrado com um plástico. Moscas. Ao lado do balcão, um pequeno portão de ferro azul, tomado pela ferrugem, indica que o espaço é mínimo.
O ambiente interior é escuro. A única entrada de luz no alto da parede é fechada com um vidro e forrada de papelão. Toda a iluminação vem de fora. A cor das paredes não pode ser identificada. As prateleiras pregadas nelas estão repletas de alimentos a serem vendidos. O teto é branco e forrado. Há de tudo um pouco. Quilos de arroz, feijão, farinha, pacotes de bolacha desses que se encontram em velórios, até produtos de limpeza mais no alto. Tudo pouco organizado, mal distribuído nas prateleiras. Sabão em pó, em barra, em líquido, desinfetante, a variedade é realmente grande.
Quem olha de fora não consegue imaginar que em um ambiente tão pequeno caiba tanta coisa. Porque é pequeno, é um quadrado e é abafado. Dentro, um pequeno ventilador velho tenta amenizar o calor vigente e consegue, mas só no instante que lhe alcança, porque assim que ele toma outra direção a sensação de abafamento volta. Apesar do calor, Seu Elpídio e Dona Floripes não saem dali, muito próximo um do outro disputando espaço com caixas de papelão fechadas e carnes ensacadas que ficam no chão.
Eles só se levantam se algum cliente se aproximar. Ele, um senhor de 78 anos, que nem de longe aparenta a idade que tem, vestido jovialmente, de regata branca e bermuda de tecido na altura do joelho, com um celular preso na cintura e uma sandália de couro preto. É magro, cabelos grisalhos, estatura média, pele lisa, moreno, quase marrom. Tem bigode, usa uns óculos de lentes grandes e quadradas que quase encobrem suas sobrancelhas ralas. Sua voz é rouca, e fala pausadamente. Apesar da magreza, tem braços fortes. Na mão esquerda lhe falta a metade do dedo anelar. Ele permanece sentado num banco de madeira, velho e sujo, que está com todas as pernas tortas pendendo para o lado esquerdo, onde está sentada Dona Floripes.
Um pequeno rádio de pilha, desses que os fanáticos por futebol não desgrudam do ouvido, tenta com dificuldade manter o som ambiente. Concorrendo com todas as vozes que vem da rua, de dentro do mercado e de Seu Elpídio e Dona Floripes, que não param de conversar. Ela uma senhora negra de 68 anos, cabelos pretos, curtos, lisos e finos, bem finos que chegam a deixar seu couro cabeludo a mostra, denotando uma certa calvície no alto da cabeça. Lábios finos, orelhas cumpridas e maxilar grande. Quando não está falando, fica como se mastigasse algo, apesar de não ter nada na boca. Sua voz é fina e estridente. Veste uma blusa amarela que não dá ao certo pra dizer se de fato é uma blusa ou a parte de cima de uma camisola. Tem renda na parte superior, um babado na ponta, uma estampa no decote em V. Tem de tudo na blusa, até uma mancha circular de café centralizada próximo ao decote. Ela veste também uma bermuda vermelha, estampada com flores brancas, que termina na altura do joelho. Calça uma sandália havaianas preta. Tem um corpo robusto, pernas e braços fortes e uma barriga grande. Sentada em cima de uma pilha de jornais velhos colocados em uma cadeira de plástico amarelada de tão velha, Dona Floripes parece ser mais alta do que realmente é. O clima é quente, o chão é sujo e o cheiro da carne salgada lembra feijão começando a cozinhar. O cheiro está em tudo, nas cordas de sisal penduradas, nas cestas de palha presas na parede de fora, no plástico em cima do balcão e em Seu Elpídio e Dona Floripes que não saem dali de dentro.
A luz que invade o ambiente já se mostra cansada, e incapaz de contemplar todos os produtos que desejam se mostrar. No alto pouco se vê, e a poeira que encobre as caixas de sabão em pó mostram que há tempos naquele escuro elas se encontram. Assim como o casal de senhores sentados, antigos, empoeirados e escondidos da luz, talvez até cansados de anos de contemplação.

3 comentários:

Leandro Colling disse...

muito bom, parabéns

Queila Oliveira disse...

Camila.
Gostei muito de seu texto.vc descreve bem o ambiente. Gostei também da descrição que vc fez das pessoas do lugar. Dar pra imaginar bem esse casal.

Carine Costa disse...

Camila
sensacional sua descrição, você conseguiu captar os detalhes....parabéns.