terça-feira, 4 de novembro de 2008

Mercado Municipal, box 18

Sem saber o que ver, nem onde realmente deveria fixar o meu olhar, o box 18 chamou a atenção; ambiente mais que inusitado no meio de tantas outras peculiaridades. Começa, então, a descrição, do que se nota e se sente.
Poderia ser um lugar como outro qualquer, com coisas à venda para turistas e gringos. Ao invés disso, a confusão da organização ou o desespero do dono do local fica logo em evidência. Tudo muito misturado. Coisas que não tem nada a ver umas com as outras no mesmo cordão. Objetos pendurados em madeiras, outros em caixas, outros ora enfileirados, ora sobrepostos, dão a impressão de que qualquer coisa pode sair de lá. “Cuidado com a cobra”, ele disse. Sem haver cobra, é claro.
O responsável por tudo isso é Seu Bel. Ouço seu nome quando ele responde a uma garota com quem conversava. Senhor de idade e sentado numa cadeira preta, tipo aquelas de escritório, bastante desgastada pelo tempo de uso, fica na entrada da porta, divagando em seus pensamentos. Os pacotes de jornais que coloca na cadeira realmente parecem fazer efeito se o objetivo é torná-la mais confortável. Cochila em alguns momentos, parece estar cansado, e nem nota no primeiro instante a garota que olha para tudo e para ele detalhadamente.
Depois de algum tempo, o velhinho se levanta, demora alguns poucos minutos e volta com duas cascas de bananas na mão. Arrastando um pouco a perna direita, percebo seus motivos: uma ferida, que pelo visto o acompanha há muitos anos. Levanto o olhar e logo as outras características físicas ficam mais visíveis. Seu cabelo ralo, ele não chega a ser careca, variava entre uma tonalidade mais esbranquiçada na frente e escurecida atrás. Esse mesmo aspecto chega às sobrancelhas, com o preto quase uniforme, sobressaindo a alguns vestígios do branco. Vestia uma camiseta branca de propaganda política, bermuda bege e sandálias pretas. Trazia no braço esquerdo um relógio prata e uma fita amarrada no direito.
Em 40 minutos apareceu apenas um casal de clientes, que ele muito simpático e atencioso atendia. Entrava e saia. Pegava uns potes de barro dentro e saia para pegar umas colheres de pau aqui fora. Utilizava os mesmos jornais que lhe serviam de almofada para enrolar os objetos. Quando terminava de vender, anotava um “não sei quê” nos diversos pedaços de papel, ora espalhados, ora pendurados em cima do balcão, misturados aos barbeadores, isqueiros e canetas. Um calendário com o salmo 23 poderia denunciar um homem religioso, será? Afinal, naquele lugar, tudo pode apontar alguma coisa. No chão, em frente ao box, caixas individuais de coco seco, cebola, alho e feijão. Fogareiros servem de apoio para outros objetos, enquanto candeeiros penduram-se em grades azuis e se juntam a badogues e ratoeiras. Objetos de barro estão por toda parte; panelas, porquinhos, castiçais se expõe aos olhos de todos que passam, quando não ficam escondidos embaixo do balcão esperando a hora de se exibirem. “Óleo de riça” e “Óleo de coco” são anunciados em placas de papelão, enquanto peneiras, esteiras e vassouras de palha assumem suas posições do dia.
O cheiro do lugar é uma mistura de odores que resolvem aparecer de todas as partes. A comida sendo feita ao lado exala um cheiro forte que invade o ambiente. O cravo, a canela, as sementes de coentro, o corante e a pimenta do reino do Box 18 convidam as carnes, cortadas a poucos metros dali, a penetrar em um mix de temperos. E se a mistura de cheiros é constante, as cores não se sentem tão representadas: marrom, bege, amarelo e branco dão o tom. Amanhã é outro dia, outra arrumação, outros cheiros, porque cá pra nós, duvido que o Box 18 esteja do mesmo jeito todas as manhãs.

Talita Costa

Um comentário:

Leandro Colling disse...

Adoro essa frase: O cravo, a canela, as sementes de coentro, o corante e a pimenta do reino do Box 18 convidam as carnes, cortadas a poucos metros dali, a penetrar em um mix de temperos.