quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Luizinho versus Dentista

Lise Lobo

Tarde agitada, o sol pegando fogo, e lá estava eu fazendo o que mais gosto, comprando. Minha alegria acaba quando meu pai liga, e fala com uma voz apressada e nervosa:
- Lise, ta onde?
- To em uma loja, por quê?
- Quando terminar aí, venha logo aqui para o dentista ficar com o seu irmão, porque ta demorando muito e eu tenho que resolver uns problemas do clube.
Fazer o que? Pensei. Logo agora que ia experimentar um biquíni!
- Já to indo!
- Não demora!
- Ta bom, já vou!
E lá foi eu, puta de raiva, mas fazer o que? Homem de fato não tem paciência, aposto que ele chegou nesse instante no dentista, e já ta agoniado.
Cheguei ao consultório morrendo de calor, suando mais que tudo, e lá estava Luizinho, todo estirado no banco embutido do consultório odontológico. Meu pai não exitou em abrir um enorme sorriso (certamente de alívio) e logo foi se despedindo.
- Ta melhor Lu? Perguntei ao meu irmão Luizinho de 7 anos, que não deixou ninguém dormir na noite passada por causa de uma dor de dente.
- Não! Ainda ta doendo. Respondeu ele com uma voz sonolenta. Também pudera, o bichinho não dormiu nada.
Chamei ele para o outro banco aonde o ventilador estava ao alcance, tinha que tomar um pouco de ar, tava derretendo. Lu veio todo mole, parecia um jumbí, e logo colocou sua cabeça no meu colo e o dedo na boca. Sinal de que iria acabar dormindo.
- Lu! Não dorme não porque logo você vai ser atendido.
- Ta demorando Didi (é assim que ele me chama).
- Ta não!
Também já ansiosa, principalmente para ir para casa experimentar o que comprei, levantei-me e foi até a recepcionista, tão pequena que só dava para ver a ponta de sua cabeça atrás do balcão, branca, cabelos escovados e pretos, olhar cansado, voz baixa, não parecia nada disposta:
- Tem mais alguém na frente dele querida?
- Deixe eu ver... Não! Ele é o próximo.
Graças a Deus! pensei. Voltei para meu acento e avisei a Lu que ele seria o próximo, o que não fez muita diferença, continuou cheio de moleza.
Os minutos passaram e logo ele é chamado.
- Luiz Henrique...
E lá fomos nós dois. Eu sem um pingo de preocupação, já que minha mãe me disse que ele se comporta direitinho no dentista, que fez uma obturação e nem reclamou.
A dentista Lorena, que foi minha colega no ensino fundamental, com uma voz doce e calma pediu:
- Senta aqui Lu. Vamos da uma olhadinha.
- Ele ta sentido muita dor no dente, não deixou ninguém dormir. Avisei. Diga a ela Lu...onde é que ta doendo.
Luizinho apontou para o dente dolorido. E no momento em que a dentista tocou, ele segurou a mão dela e fez uma careta, de dor com certeza.
- Calma Lu. Eu tenho que olhar para poder ajudar. Falou delicadamente a dentista.
No momento entra o dentista Tarcisio, dono do consultório. Lorena sai e dá o lugar para ele olhar. Ele olhou, olhou... e logo sussurrou para Lorena:
- Vai ter que arrancar!
Tarcisio levantou-se e Lorena ocupou de vez seu posto. Luizinho arregalou os olhos. Ele escutou!
- Arrancar?Perguntou Lu com a voz tremula.
- Não Lu. Respondi imediatamente. Ela só vai passar uma massinha para passar a dor.
- Ah sim! Por que eu não quero arrancar.
- Vai só passar um remedinho.
Ele ficou todo desconfiado. A dentista passou de fato a massinha, levantou-se e foi até outra sala, voltando com uma seringa na mão. A anestesia, pensei.
- Pra que isso?Exaltou Luizinho!Eu não quero tomar isso de novo. Minha boca fica torta.
- Mas tem que tomar Lu. Para parar de doer. Avisei, ou melhor, enganei o bichinho.
- Você não já tomou uma vez?É só uma picadinha. Você já sabe como é. Não vai doer. Acrescentou Lorena.
Quando a dentista levou a anestesia em sua direção, Lu abriu o berreiro, começou a chorar.
- Já passou!Não ta mais doendo! Gritou ele.
- Calma! Lise vai comprar um pote de sorvete para você quando sair daqui. Vai tomar sorvete a tarde toda. Não é Lise?
- É doutora. Um pote bem grande.
- Eu não quero, eu não quero.
Comecei a ficar nervosa. Comecei a pensar. Onde estaria o menino bonzinho, que não chora no dentista. Será que minha mãe teria que estar ali para ele se portar bem. Aff!
- Vou segurar sua mão! Você vai ver como é bem rapidinho. É para a dor passar Lu. Você quer sentir isso para sempre?
- Ta bom! Eu deixo.
Fui até perto dele e segurei suas mãos. Tremia mais que tudo. Mas finalmente ela conseguiu aplicar a anestesia. Mal eu imaginava que o pior estava por vir.
Logo a anestesia fez efeito, e então a dentista se levantou e foi novamente até a outra sala ao lado.
- Pronto! A gente já pode ir né Didi?
- Calma Lu! Ela ainda vai passar um remédio.
- Não vai arrancar não né?
- Não meu amor!
E logo ele foi se levantando da cadeira.
- Não Lu, é pra ficar aí ainda.
- Mas pra que?
- Pra ela passar um remédio.
- Já passou!
E logo a dentista volta com o instrumento de extração na mão, quando Luizinho viu, enlouqueceu.
- Nãoooooooooooo! Não vou arrancar não!
Deu um pulo da cadeira, mas consegui agarrá-lo. Juntou eu, a assistente e a dentista para segurá-lo.
- Nãooooo! Nem morto eu arranco o dente.
Chorava, gritava, jogava mãos e pernas para todo o lado. Nunca imaginei que tinha tanta força.
- Calma Lu! Calma! Gritava eu pra ele!
- Segura! Gritava a assistente.
Na primeira oportunidade Luizinho escapou, abriu a porta do consultório e saiu correndo feito louco gritando. Eu queria achar um buraco para enfiar minha cabeça, eu também já estava quase chorando, só que de raiva e pena ao mesmo tempo. Minha mãe me paga!!!!
- Lu, espera! Você vai ter que arrancar!
- Não, nem morto! Gritava ele com a boca toda torta por causa da anestesia.
- Você já fez o pior que foi a injeção. Eu posso te dar um murro na boca que você não vai sentir. Não vai doer.
- Vai! Vai ter sangue!
- Não vai não. Ela coloca um pozinho que estanca o sangue, não vai sangrar nada.
- Não, não e não.
Luizinho, gritava, babava, chorava já tava todo vermelho. E todo mundo da recepção me olhando. Que mico!
Fiz de tudo para convencê-lo
- Quando a gente sair daqui, você escolhe qualquer brinquedo que eu te dou.
- Não!
- Vou ter que ligar para meu pai então.
- Nãoooooooo!!! Gritou ele cheio de medo.
Liguei:
- Pai...
- Oi!
-Luizinho vai ter que arrancar o dente, e não quer de jeito nenhum. Já fez um escândalo aqui. Até anestesia tomou! E nada.
- Como é que é? Espera que já estou indo para aí.
Luizinho gritava ainda mais, em pensar na possibilidade de meu pai ir para lá. E Logo pediu
- Se minha mãe estiver aqui eu arranco.
- Mas minha mãe ta trabalhando Lu.
- Só com ela. Soluçava.
Liguei para minha mãe. Não agüentava mais pagar mico sozinha.
- Mãe...
- O que foi, Lu já foi atendido?
- Já! Mas teve um probleminha.
- O que?
- Ele vai ter que arrancar o dente...
- Arrancar?
- Pois é! E ele ta aqui com a boca toda anestesiada, mas não quer de jeito nenhum arrancar o dente.
- Liga para seu pai Lise!
- Já fiz isso e ele ta vindo!Mas Lu disse que só arranca se você estiver aqui.
- Meu Deus! Vou ver se consigo dar uma saidinha!
Luizinho me interrompe, e pede para falar com ela. Com voz soluçando pedi:
- Mãe.....eu não quero arrancar o dente!
Certamente ela disse que era necessário.
- Então vem para cá! Pede ele.
Uns 10 minutos depois chega meu pai esbravejando. Luizinho abre o berreiro, e meu pai fala:
- Você né homem não? Você já ta muito grandinho para isso. Vai arrancar sim!
- Nãooooooo!!Só com minha mãe.
- Calma pai. Minha mãe ta vindo aí. Anunciei.
Logo chega minha mãe. Luizinho a agarra. E ela já chega com uma estratégia. Chama a dentista e diz:
- Doutora... não vai mais arrancar o dente dele não viu? Só quero que passe um remédio.
- Ta bom Luciana, só um remédio.
E lá foram os dois para dentro do consultório. Eu, nem quis entrar mais. Deus me livre!Minha mãe que se vire agora. Fiquei esperando na recepção e já imaginando Luizinho saindo da sala correndo e gritando. Meu pai percebeu que já estava tudo resolvido e foi embora.
Não dá 2 minutos e saem os dois. Luizinho com um sorriso enorme no rosto.
- E aí?Arrancou?
- Não! O dentista olhou direito e viu que tava muito inflamado, o que não dá para arrancar. Só passou um antiflamatório.
- Que ódio! O dentista não podia ter percebido isso no início, para eu não ter que ter pagado tanto mico!

Nenhum comentário: