sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Uma bolsa no antiquário

Astrude Modesto


Da placa, a letra o e toda a palavra Glória caíram. Continua no ar, vitoriosamente, entre um pente e uma tesoura de plástico, apenas a palavra sala em vermelho empoeirado e sem acento. Qualquer um pode ver que o salão é antigo. Mais antigo do que o próprio dono. O cubículo deve ter uns oito metros quadrados. Pelo menos, é esta a impressão que dá abarrotado de objetos velhos inutilizados. Ou utilizados para enfeitar. Resta pouco espaço entre dois sofás, geladeira, frigobar, ventiladores, mesas, troféus, clientes, pássaros, lembranças... A lembrança de Maceió, um barquinho artesanal em cima do tabuleiro de xadrez, em cima da antiga cadeira de barbearia, ao lado de uma planta e dois tatus de madeira.

Três relógios pendurados nas paredes para não perder a noção do tempo que acontece lá fora. A hora passa lenta no antiquário. O quadro do preto velho está envelhecendo no canto esquerdo, no início da sala, para quem entra. Da mesma posição, o cliente, o amigo, o curioso ou dono do salão pode ver no canto direito, ao final da sala, a figura de Santo Antônio. E a vela de sete dias acesa. Ela também se esqueceu do tempo e passa a impressão de estar acesa há uma eternidade.

Não há mulher no recinto, tão carregado de masculinidade. A barba feita habilmente entre pôsteres do Flamengo, do Vasco, do São Paulo e da Seleção Brasileira. No entanto, a bolsa de palha enfeitada com uma grande flor verde, alças e lantejoulas, está pendurada por um prego, entre os homens do Vasco e do Flamengo, acima do sofá de três lugares. Penso por que a bolsa foi colada de modo tão visível. Logo, observo a aliança que o dono do salão carrega no dedo anelar da mão esquerda.

2 comentários:

Uriálisson disse...

gosto da maneira que escreve.Gostaria de ver mais seus textos,e não so descobri-los por aqui

rato disse...

uri, eu também, essa menina sempre se esconde, mas quem procura acha não é mesmo? Astrude seja talvez uma das maiores escritores de nossa época, pena ela não ter certeza disso, Astrude, modestamente, cala-se em seus versos!