quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Minha aldeia

Carine Costa
Nasci cresci e vou morrer em Iritinga, esta é uma frase que eu falo com muita convicção, depois de ter passado umas férias decepcionantes em Salvador, durou apenas uma noite. Iritinga é um vilarejo do sul da Bahia, desconhecido pela maioria das pessoas. Eu sempre quis conhecer Salvador, tinha até o sonho de ir morar lá.
-Salvador é a capital do progresso, falava minha prima Cátia.
Cátia foi criada junto comigo, como se fosse minha irmã, aos 10 anos foi morar com os pais lá na capital na busca de melhores oportunidades. Sempre nas férias ela vinha para cá, ficava exaltando a cidade. Mostrava para todos que estava muito bem de vida e que tinha evoluído intelectualmente mais que todos. Eu de pronto fiquei ansiosa para conhecer o modo de vida na capital. Como minha prima nunca me convidava para casa dela, eu tive que tomar a iniciativa.
-Prima, nas minhas férias vou para sua casa.
-Mas prima, você pode não acostumar com o barulho e a agitação de Salvador.
-Tenho certeza que vou gostar.
Cátia relutou um pouco, mais por fim concordou, não conseguiu fazer nada diante da minha cara de pau.
Nas férias lá fui eu, meu coração disparou ao chegar na capital por volta das dezoito horas, no caminho para a rodoviária, olhei pela janela do ônibus e vi o shopping, fiquei admirada diante de tamanha beleza. Tudo me encantou, os carros, a praça, as pessoas, as passarelas, os vendedores, os prédios tão altos, apenas me entristeci ao ver várias crianças no semáforo pedindo esmola e limpando os pára brisas dos carros, em troca de poucas moedas ou simplesmente um obrigado. Ao desembarcar vi minha prima, abri um sorriso e fui em sua direção. Caminhamos para o ponto.
-E ai Gertrudes, como foi de viagem?
-Fui ótima, e então Cátia ,aquele é o táxi?
-Táxi? Ora essa, tá pensando o que prima? Veja se eu vou gastar dinheiro com táxi, nós vamos é de GOL- Grande Ônibus Lotado. Corre que lá vem o busão.
Minha prima me puxou pelo braço, foi uma correria, um amontoar de gente em torno da porta, um empurra- empurra geral, um queria entrar na frente do outro para achar assento.
-Cátia este ônibus está lotado, vamos esperar outro, tentava eu, espremida na porta pelo povo, convencê-la.
- Eu sei Gê, mas ônibus para periferia demora muito, e todos são cheios como este, calma que apertando sempre cabe mais um. Trouxe a passagem?
-Quanto custa?
-Dois contos.
-Eu tenho sim.
-Ótimo, vou passar junto com você, para economizar meu dinheiro.
Minha prima me espremeu na borboleta, além do sufoco, tive que ouvir os desaforos do cobrador.
-Ei vocês duas, são muito sem vergonhas heim? Tão vendo que não pode passar duas pessoas, a passagem é individual suas pilantras.
-Vai te catar, tá incomodado pague a minha, seu puxa saco de empresa. Retrucou Cátia.
Todos no ônibus assistiam aquela cena. Fiquei morta de vergonha, minha prima me empurrava, berrando atrás de mim.
- Anda lerda, tem mais gente querendo entrar.
Era quase impossível dar um passo a frente, o ônibus estava tomado de pessoas, quando eu tentava andar mais um pouco ouvia reclamações.
- Veja por onde tá pisando sua cega, olha meu pé; -empurra não, tá pensando que é quem que tá aqui? – Vê se não me leva junto, nem rasga minha roupa, vai ter dinheiro para me dar outra?
Achei um minúsculo espaço, segurei numa pontinha do ferro, disputado por muitas mãos. Cátia ficou ao meu lado. O trânsito estava congestionado. Iríamos demorar em torno de duas horas para chegarmos na periferia segundo Cátia. Enquanto isso era obrigada a escutar um barulho insuportável no fundo do ônibus. Um grupo de rapazes batucava nas cadeiras, pulavam e gritavam totalmente desafinados.
-“Vaza canhão, vaza canhão e vaza canhão”
Quando olhava em volta, percebia muitas pessoas com os rostos indiferentes a situação, estavam cansadas, outras cochilavam em pé ou sentadas. Eram trabalhadores, que ao passar o dia todo trabalhando, ainda tinham que agüentar este transtorno na volta para casa. De repente sentir algo estranho nas minhas costas, para ser mais precisa no meu bumbum. Disfarçadamente olhei para trás e me deparei com um homem barrigudo, careca e fedendo a suor. Ele estava se esfregando em mim, olhou-me com uma cara tão maliciosa que me deu nojo, eu gelei naquele momento. Cátia percebeu o caso e armou o maior barraco.
-Tá “comendo terra” em minha prima, seu velho safado, se compreenda seu ridículo, vá procurar quem te queira. Seu motorista pare na primeira delegacia ai, para essa coisa ir pro xilindró.
- Eu tô fazendo nada não moça, já tô até indo embora. Apavorado falou o homem.
O pessoal do fundão ficou aos gritos... “haê, haê, haê, pega o tio, deixa escapar não”. Eu procurei um buraco para enfiar minha cara, nunca imaginei passar tanta vergonha numa cidade que eu achava ter tanto glamour. Toda viagem foi um suplício, olhava para o vazio, minhas pernas doíam, pessoas me empurravam a todo instante, berravam.
- Motor meu ponto. Tá dormindo? É pago para quê?
Quando desci daquela bagunça, cheguei a um lugar feio, cheio de bares, muito barulho, casas amontoadas e quase nenhuma urbanização. Essa era uma Salvador que eu na conhecia, fiquei desiludida. Já estava com saudades do meu vilarejo, queria voltar.
-Seja bem vinda Gê, suas férias serão ótimas.
-Pela recepção já deu para eu vê. Prima cátia, você tinha razão, aqui não é o meu lugar, amanhã retorno para meu vilarejo, e vou de dia, porque ônibus lotado nunca mais.

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